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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Mais ônus do que bônus

por Gabriel Perissé

O governador de São Paulo José Serra acaba de sancionar o que o jornalista Gilberto Dimenstein, parabenizando-o, considera "a medida mais ousada de sua gestão: o pagamento dos servidores das escolas, com base especialmente no desempenho dos alunos" (ver "Parabéns, Serra"). Estamos falando da Lei Complementar nº 1078, de 17 de dezembro de 2008.

Trata-se, porém, de uma imitação desajeitada, no âmbito da gestão pública, do que no mundo corporativo se denomina "remuneração estratégica". A remuneração estratégica pretende aumentar a sintonia entre interesse dos indivíduos e objetivos da empresa. Os empregados sentem-se motivados perante a perspectiva de receber um bônus financeiro, caso contribuam mais esforçadamente para o sucesso da organização, cumprindo determinadas metas de produtividade, vendas, eficácia etc.

Em termos mais populares, lembra o "bicho", aquela gratificação que jogadores e técnico de um time de futebol recebem após a vitória em campo. O jogador que suar a camisa e contribuir para o bom desempenho da sua equipe receberá uma graninha extra.

"Anjos" e "demônios"

O que faz sentido dentro de uma empresa ou de um clube de futebol é muito questionável no âmbito da educação pública, cujos valores incluem, mas não se reduzem à busca de eficácia, mais ainda se observarmos a lamentável e complexa situação da escola pública em São Paulo. Esta bonificação por resultados (BR) nasce de uma visão distorcida da realidade educacional e não atuará sobre o que é essencial.

Faltou, para começo de conversa, um pacto entre categoria docente e governo estadual. A BR vem calcada na seguinte premissa: a dedicação dos docentes de uma escola é, senão o único, o principal elemento realmente decisivo para gerar melhor desempenho dos alunos. Ora, sabemos que professores compromissados e assíduos colaboram, e muito, para que seus alunos aprendam mais e melhor... mas nem sempre obtêm resultados satisfatórios, ou nem sempre obtêm os resultados esperados por indicadores como o Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo). A realidade não é tão simples. Ensinar, dizia Heidegger, é deixar aprender, mas temos de levar em conta os que, por uma série de circunstâncias, encontram imensos obstáculos dentro da situação atual do ensino brasileiro...

Há um discurso subjacente à BR que desqualifica moral e profissionalmente a maior parte dos professores. Entre os objetivos do bônus financeiro está o de separar os poucos "anjos" dos muitos "demônios". Dimenstein, na matéria citada acima, reforça essa idéia: "O bônus proposto faz do professor mais esforçado sócio do sucesso de seu aluno e do relapso, cúmplice do fracasso."

Desvalorização profissional

Faltou, e não é de hoje, um discurso positivo, a favor dos educadores. O governo Serra olha com maus olhos a categoria docente. Despreza-a. Queixa-se, como regimes autoritários o fizeram no passado, do "sindicalismo corporativista ideológico". Acha que já está pagando muito. Que os investimentos feitos são mais do que suficientes. Por isso, criou uma forma de catalogar os que ele julga irresponsáveis e puni-los. O governador Serra e a secretária da Educação Maria Helena Guimarães de Castro trabalham com a idéia de que a maioria dos professores não tem ética. Seriam esses professores os principais culpados pela falência do ensino. Mas trabalham também com uma hipótese perversa: quem sabe, graças à BR, não conseguiremos comprar a "responsabilidade" desses professores?

Faltou ao governo estadual compreender a complexidade da situação, pois sensibilidade pedagógica (e sociológica) é o que mais lhe falta. O mau desempenho dos alunos não decorre única e principalmente do mau desempenho dos professores, e o mau desempenho dos professores não decorre de uma suposta maldade desses profissionais.

O problema educacional não está isolado das circunstâncias sociais que, para além da sala de aula, influenciam depois o espaço escolar, inviabilizam os melhores esforços dos mais abnegados professores, e desanimam os que acabam sucumbindo perante as dificuldades crônicas:

** 86% dos colégios estaduais sofreram violência em 2007, como noticiou o site da Abril, com base em pesquisa realizada pela Udemo - Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo.

** O reduzido ou inexistente envolvimento das famílias e da sociedade em geral. O professor Mozart Neves Ramos, presidente-executivo do Todos Pela Educação, afirmou recentemente que "a população brasileira coloca a educação em 6º lugar na sua lista de prioridades" (Gazeta do Povo, 12/12/2008).

** O professor Carlos Ramiro de Castro, presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), tem insistido que a maior parte das faltas dos professores decorre dos problemas enfrentados no cotidiano escolar: salas superlotadas, péssimas condições de trabalho (ainda se usa mimeógrafo para preparar aulas, e isso quando o dito-cujo funciona!), jornadas estafantes para compensar os baixos salários, estresse e doenças causados por esse quadro de desvalorização profissional.

Possíveis novas frustrações

Faltou, enfim, ao governador Serra e à sua equipe perceberem o óbvio. (Ou será que perceberam, mas querem que nós não o percebamos?) O óbvio é que o recebimento do bônus associado ao desempenho dos alunos não depende apenas do professor. Depende, em não pequena medida, do perfil de muitos desses alunos!

Alunos que sofrem violência em casa e dentro da escola; alunos que têm persistentes lacunas de aprendizado, explicáveis por mil fatores (famílias desarticuladas, moradia precária, ambiente social adverso e ameaçador, alimentação deficiente, falta de acesso a livros etc.); alunos desestimulados porque encontram uma escola depredada e sem recursos (mais de 70% não possuem bibliotecas e laboratórios de ciências); alunos obrigados a usar banheiros insalubres nessas escolas, a dividir uma sala lotada; alunos que não vêem a escola como lugar que lhes proporcione um futuro melhor; alunos, enfim, que são encarados como "produtos" passíveis de fácil aperfeiçoamento (o processo de formação de um ser humano exige outra visão!), graças ao súbito interesse dos professores irresponsáveis, docentes convertidos agora em funcionários perfeitos. E tudo por causa do bônus!

Aliás, ainda que os professores trabalhem em dobro, se a escola em que estiverem não alcançar as metas estabelecidas, ninguém receberá a bendita BR. A promessa do bônus reserva possíveis novas frustrações. E para mencionarmos um aspecto dessa complexa conjuntura, não se pode, por exemplo, responsabilizar os professores pela baixa freqüência dos alunos, conforme quadro abaixo, resultante do monitoramento que o governo federal vem realizando sobre a freqüência de crianças e adolescentes beneficiados pelo Bolsa Família.

As prováveis ganhadoras


Fonte: MEC - fevereiro/março de 2008. Ver quadro completo

São Paulo está em primeiro lugar, com o maior número de registros de baixa freqüência. São 54.464 registros, dos quais 6.321 atribuídos à negligência dos pais, e 34.531 sem motivo identificado, o que mostra o desinteresse do sistema escolar na hora de procurar as causas reais de tantas faltas.

A lógica da BR conta com uma realidade propícia, desenhada pela secretária da Educação no artigo "O mérito do professor" (Folha de S. Paulo, 15/10/2008):

"Só há melhor desempenho dos alunos com professores motivados. O Estado, após aumentar o salário-base de todos os professores, selecionar 12 mil coordenadores pedagógicos e reorganizar o sistema de supervisão, lançou projeto de remuneração por desempenho que pode resultar em até 2,9 salários mensais a mais aos professores. Trata-se de reconhecer o esforço dos professores e valorizar o compromisso com a melhoria do desempenho dos alunos. Pela primeira vez, funcionários estaduais receberão bônus financeiro de acordo com o resultado do trabalho. Outros países, como o Chile, adotaram ações semelhantes. Nos EUA, o maior sucesso ocorreu em Nova York."

Na realidade imaginada pela secretária, todos os professores trabalham em escolas iguais. E não é verdade. Sabemos que, apesar dos pesares, existe certo número de boas escolas públicas estaduais, situadas em regiões menos violentas, apoiadas pelos pais dos alunos, dirigidas há um bom tempo por diretores conscienciosos, beneficiadas por uma história menos acidentada. Serão essas, provavelmente, as ganhadoras na corrida do bônus!

A estrutura física escolar

O ex-secretário da Educação da prefeitura de São Paulo, professor Mario Sérgio Cortella, em entrevista ao site Educar para crescer, da Abril, posiciona-se contra as políticas de bônus por desempenho, fazendo-nos ver que nem tudo é questão de motivação interior:

"Durante a minha gestão como secretário em São Paulo, havia um concurso de banda de fanfarras. As escolas das áreas centrais ganhavam todos os anos. As escolas de periferia tinham bandas com menos instrumentos e nunca saíam vencedoras. Isso é avaliar por desempenho? Não: é premiar os grupos mais favorecidos. Sou a favor da meritocracia, mas ela nunca será adequada enquanto não houver igualdade de condições no ponto de partida. Eu só posso avaliar os professores por desempenho se eles tiverem a mesma oferta de condições de melhoria."

O bônus encobre problemas antigos. Quer nos impedir de ver (e a mídia muitas vezes é conivente, não aprofunda, não denuncia nada) o que o PSDB fez, ou deixou de fazer, nos últimos 13 anos, desde a gestão Covas, passando pela fraquíssima gestão Alckmin. A situação educacional de São Paulo não chegou a níveis tão preocupantes por obra do acaso. A BR, em última análise, quer desviar nossa atenção do que cabe ao governo fazer.

Cabe ao governo estadual cuidar da estrutura física escolar. O desempenho dos alunos diminui em escolas semi-destruídas. Serra se preocupa com isso, parece... mas onde estão as notícias?

Prenúncio para 2011

Cabe ao governo estadual evitar que, como acontece em várias escolas do estado de São Paulo, diretores façam merenda, trabalhos de secretaria, preencham papelada, tudo menos acompanhar o processo pedagógico.

Cabe ao governo estadual antecipar-se e oferecer aos professores bons salários. Bons salários tornariam a carreira docente atrativa e o trabalho mais compensador. As cobranças poderiam se dar num clima menos tenso, sem a truculência que se tem verificado.

Cabe ao governo estadual admitir que o professor foi jogado para escanteio, como o próprio Gilberto Dimenstein reconhece, no artigo já citado: "Ganha mal, seu treinamento é precário, enfrenta, em especial nas regiões metropolitanas, a violência cotidiana combinada com a falta de infra-estrutura."

O pragmatismo de José Serra e Maria Helena, compreensível em empreendimentos outros, cobra muito dos professores e pouco faz por eles. O que estamos vendo em São Paulo é o prenúncio do que, se for eleito presidente, Serra e sua possível futura ministra da Educação farão a partir de 2011, em nível nacional.

Publicado no site www.observatoriodaimprensa.com.br, Edição 517 de 23/12/2008, na seção Mídia e Educação.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Decisão do STF é um ataque aos direitos do magistério

No dia de ontem (17/12) o Supremo Tribunal Federal  julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada por cinco governadores contra a Lei nº 11.738/08 que estabeleceu o piso salarial nacional para os profissionais do magistério.Em primeiro lugar, o STF decidiu que o termo "piso" a que se refere a norma em seu artigo 2º deve ser entendido como a remuneração mínima a ser recebida pelos professores. Assim, até que o Supremo analise a constitucionalidade da norma, na decisão de mérito, os professores das escolas públicas terão a garantia de não ganhar abaixo de R$ 950,00, mas isso será alcançado somando os valores recebidos no vencimento básico (salário) com as gratificações e vantagens. Esse entendimento deverá ser mantido até o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4167.

O STF decidiu por maioria pela suspensão do parágrafo 4º do artigo 2º da lei, que determina o cumprimento de, no máximo, 2/3 da carga dos magistrados para desempenho de atividades em sala de aula. A suspensão vale, também, até o julgamento final da ação pelo STF.

A Ação impetrada pelos governadores questionam basicamente o fato de que o piso será calculado sobre o vencimento base a partir de janeiro de 2010 e de estar estabelecido 33% de hora-atividade para os docentes. Na verdade o principal alvo dos governadores é evitar o impacto da elevação do percentual de hora-atividade na folha de pagamento.

O STF manteve o piso, mas atendeu plenamente os interesses dos governadores. A decisão remeteu para a legislação estadual e municipal a definição da carga horária dos docentes e sua divisão entre horas destinadas a aulas propriamente ditas e o percentual destinado a planejamento e estudos. E também autorizou calcular o piso sobre a remuneração, como a lei atual estabelecia apenas para 2009.

Isso tudo até o julgamento do mérito, que obviamente ninguém é capaz de prever a data, podendo o julgamento durar anos.

Estudo encomendado pelo Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação levantou o impacto da implantação da nova carga horária para atividades de planejamento. O estudo encontrou a necessidade de contratação de 222 mil novos professores, que custaria 3 bilhões e 500 milhões no próximo ano. Este impacto é obviamente maior naqueles estados onde inexiste hora-atividade ou ela é residual. Recentemente os professores entraram em greve no Rio Grande do Sul contra projeto de lei enviado pela governadora Yeda Crusius, que não cumpria a lei do piso. Este estado possui hora-atividade de 20% da carga horária, porém no decorrer do tempo foi contratando professores temporários que não possuem este direito. Esta esperteza aumentou o impacto atual de implantação da medida.

Como o valor do piso é muito rebaixado e a legislação permite calcular o seu valor em 2009 sobre toda a remuneração, o que o STF fez foi conceder aos governadores o aval para manter as jornadas atuais e diminuir o impacto do piso na vida dos professores.

O mais interessante é que o governo federal não comentou a decisão. Silenciou sobre um aspecto essencial para qualquer projeto de melhoria da qualidade educacional.

A decisão do STF representa um ataque aos direitos dos profissionais do magistério e um alento aos governadores e prefeitos.

Sem hora para planejamento é impossível implementar qualquer proposta séria na área pedagógica, pois os professores precisam ter tempo para discutir entre si a situação de cada aluno, planejar ações pedagógicas conjuntas e avaliar os resultados. As mudanças pedagógicas acontecem no ambiente da escola e não apenas mandando os professores para cursos e palestras.

Do site da Ação Popular Socialista

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Pequena avaliação dos tempos difíceis

Este foi um ano difícil, e nada indica que o próximo será melhor. Pelo contrário. Não vai aqui nenhum pessimismo de ocasião, mas apenas o reconhecimento do violento avanço da política educacional do governo estadual que, apesar do amplo movimento de greve que minorou perdas, não fomos suficientemente fortes para resistir.

Eles avançam, convertendo os assuntos educacionais e escolares à lógica adotada em qualquer empresa privada, segundo os critérios de "eficiência" muito alheios ao que se passa em uma sala de aula. Para tanto, cuidaram de elaborar e impor um conjunto de medidas que visam o absoluto controle sobre nosso fazer na escola, controle que prevê retaliações administrativas a quem oferecer resistência - e em breve, cairão sobre a cabeça de todos as avaliações de "desempenho". Por outro lado, vale a lógica do aliciamento, da cooptação ao projeto imposto, com benesses a título de "bônus por desempenho" ou qualquer vantagem pecuniária na compra de um laptop.

Não há espaço para qualquer dissenso. O que se espera é a adesão passiva e silenciosa (ou silenciada) à transformação de educadores em meros executores e cumpridores de metas e programas, através dos quais se medem sua eficiência e seu desempenho. Querem fazer crer que os únicos responsáveis pelo fracasso da educação pública são os professores, mal formados, que não sabem dar aulas, por serem descompromissados. Isto justifica a adoção das cartilhas e a imposição de conteúdos curriculares.

Convertem assim a educação no adestramento dos alunos para os exames oficiais, com a única finalidade de melhorar os indicadores estatísticos do Estado. A despeito de tudo o que se possa pensar de diferente, a despeito da desejável pluralidade de concepções pedagógicas que deveria prevalecer na educação pública, a despeito do que acreditam e da experiência dos que se dedicam ao ensino - disto tudo se faz letra morta. Afinal, "os professores nunca souberam como dar aulas".

Nunca soubemos, se eles forem os experts no assunto, embora distantes do que se passa em uma sala de aula, das estressantes jornadas de trabalho, das condições de todo adversas de trabalho nas escolas, como sabemos, de inumeráveis alunos por sala de aula, incontáveis avaliações para se dar conta. Seja como for, são pessoas que se dizem muito sérias - e por serem tão sérias assim, dão-se a liberdade de agir de modo autoritário, sem consultas ou sem considerar consulta alguma. É a impregnação da tecnocracia que, com absoluto controle e com meios de coerção moral, gerencia o fazer de todos na escola, tanto quanto em uma empresa privada. O caráter público da educação se perde, para apenas responder aos ditames do patrão de plantão.

Não é por acaso os casos de violência na escola - vivida de modo tão escancarada no episódio da EE. Amadeu Amaral, no Belém, cidade de São Paulo. Pois quando reina o autoritarismo e regridem as práticas democráticas, de negociação e diálogo, a escola vive como uma panela de pressão, sempre pronta a se estourar. É assim quando os professores já não reconhecem a si mesmos em suas aulas, quando correm a cumprir metas sem convicção ou mesmo por oposição ao que pensam; quando os alunos se vêem participando de um grande espetáculo farsesco - de uma escola que mal prepara para a vida e para a liberdade, mas apenas para os sarespes e provinhas que tais.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Serra sabota o piso salarial do magistério

Pronunciamento do Deputado Ivan Valente (PSOL-SP)
no Plenário da Câmara dos Deputados em 27 de novembro de 2008

Depois de quase três décadas de luta do movimento docente, o governo federal sancionou, em julho passado, a Lei do Piso Nacional do Magistério público da educação básica, que estabelece que nenhum professor, em qualquer lugar do país, pode receber menos do que R$ 950,00. No entanto, mal o movimento comemorou tal conquista parcial, como abordarei adiante e o piso nacional já corre riscos de ser enterrado vivo.

Numa ação conjunta de negação do direito à educação e ao trabalho digno de milhões de brasileiros, os governadores do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Ceará moveram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei do Piso Nacional. Em diversos estados, os governadores ameaçam propor projetos com outros valores para o piso salarial para a categoria.

É por isso que, nos somando aos esforços da comunidade educacional, lançamos no último dia 19/11, na Comissão de Educação e Cultura desta Casa, a Frente Nacional em Defesa do Piso Salarial do Magistério. A bancada do PSOL integra esta Frente por entender que a valorização dos profissionais da educação é peça chave num processo de superação das dívidas educacionais que o Brasil ainda apresenta. Dívidas que vão da alta taxa de analfabetismo até à falta de vagas nas universidades públicas. E que jamais serão sanadas enquanto vigorar a atual política de ajuste fiscal, que privilegia o pagamento de juros exorbitantes de uma dívida ilegal em detrimento da garantia de direitos da população.

Comprometer-se com a remuneração de R$ 950 é o mínimo que os municípios e estados devem fazer. Sabemos que a lei deve impactar as redes estaduais e municipais dos Estados mais pobres. Nesses casos, é importante que o governo federal garanta a complementação da União. Afinal, este valor, em si, está muito aquém das expectativas do professorado e de suas necessidades. Quando o projeto que instituiu o piso nacional passou pela Comissão de Educação e Cultura, chegamos a apresentar um voto em separado, propondo, em substitutivo que também apresentamos, o piso de R$ 1.565,61 para 20 horas semanais trabalhadas.

Desde lá, vínhamos afirmando que a insuficiência de recursos destinados para a área educacional e a protelação das ações governamentais, através do gradualismo dos prazos e da progressividade dos aportes de recursos, evidenciavam a falta de compromisso em promover a qualidade da educação a que todos os cidadãos têm direito.

O reconhecimento de que existe uma relação indissociável entre qualidade de educação e remuneração condigna do magistério decorre de um longo processo histórico, que vem desde a Constituição de 1934. A inclusão na Constituição Federal, de 1988, do art. 206, inciso V valorização dos profissionais do ensino, garantidos na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB, de 1996, do art. art. 2º, inciso VII valorização do profissional da educação escolar são frutos desta luta.

Anos mais tarde, o Plano Nacional de Educação estabeleceu como princípio a valorização dos profissionais da educação através da garantia das condições adequadas de trabalho, entre elas, o tempo para estudo e preparação das aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de magistério e com particular atenção à formação inicial e continuada, em especial dos professores. O PNE também previa um aumento significativo de recursos (7% do PIB) em educação para promover impacto real na melhoria da qualidade do ensino e ampliação de direitos fundamentais.

Tudo isso está muito distante da realidade atual. Continuamos a trabalhar com a socialização da miséria na educação, com minguados recursos, disponibilizados a conta gotas, conforme a disponibilidade financeira do momento.

Sr. Presidente, sras e srs deputados, enquanto prevalecer a lógica perversa que impõe o Estado mínimo, que enxuga a máquina estatal, não dá para dizer que educação é prioridade. Continuamos com educadores trabalhando em jornadas excessivas e desumanas, com salários defasados e formação deficiente, com salas de aula superlotadas, com carreiras desestimuladoras, com escolas sem infra-estrutura física e de pessoal adequadas.

É urgente rompermos com políticas educacionais como as que vêm sendo implantadas em meu estado, onde a regra é vigiar e punir.

Precisamos criar condições efetivas para o trabalho pedagógico na escola, incluindo aí salários dignos para os profissionais da educação e a redução da jornada de trabalho. Esta, aliás, também é uma determinação da Lei do Piso Nacional. Ela estabelece que o professor dedique, no mínimo, um erço da sua jornada a atividades extraclasses, como correção de provas e planejamento de aula. Para cumprir a determinação da jornada, em São Paulo será preciso contratar cerca de 60 mil professores.

Daí a resistência do governador José Serra, que já começa a mostrar suas novas boas intenções. Mas nós não desistiremos. Vamos seguir lutando para garantir a recomposição da jornada sem redução do salário, possibilitando mais emprego para a categoria e melhoria na qualidade do ensino. E seguiremos batalhando pelo aumento do piso nacional, para que os professores finalmente sejam remunerados com dignidade e de forma compatível à sua importância para o país.

Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP

http://www.ivanvalente.com.br/CN02/pronunciamentos/pron_det.asp?id=626

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Retrocessos na Educação de São Paulo

Pronunciamento do Deputado Ivan Valente (PSOL-SP)
no Plenário da Câmara dos Deputados em 4 de novembro de 2008

Sr. Presidente, Senhores e Senhoras Deputadas, já usamos em outra ocasião a expressão Vigiar e Punir, inclusive nesta tribuna, para nos referir à política educacional implementada pelo Governo Serra em São Paulo. Quero insistir nesta caracterização, em função de denúncias que temos recebido de perseguição às professoras e professores em estágio probatório, que são submetidos a ‘Avaliação Especial de Desempenho'.

Pretende-se com mais esta avaliação a observação ao ‘princípio da eficiência na Administração Pública', no entanto as professoras e professores são avaliados pelos seguintes critérios, conforme o Decreto do Governador Jose Serra no. 52.344, de 09 de novembro de 2007:

I - assiduidade;
II - disciplina;
III - capacidade de iniciativa;
IV - responsabilidade;
V - comprometimento com a Administração Pública;
VI - eficiência;
VII - produtividade.

Vejamos em detalhes como tais princípios são interpretados pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Chamamos especial atenção para dois destes critérios:

Para o critério de assiduidade, considera-se como falta qualquer ausência, à exceção de faltas abonadas, ainda que justificada e em casos previstos como nojo, gala e licença-prêmio. Ou seja, perderá pontos na sua avaliação profissional quem sofrer luto pela perda de um ente querido, ou quem se casar. E o que dirá dos professores que aderirem a paralisações chamadas pelo sindicato?

O outro, eficiência: ‘apresentação, na prática, de cumprimento do contido nas propostas curriculares; uso adequado dos materiais pedagógicos e outros materiais disponibilizados pela Secretaria da Educação; apresentação de bom nível de rendimento no exercício de suas atribuições.'

Ora, tal eficiência é um atentado à liberdade docente! Ainda que o professor discorde das orientações curriculares da Secretaria de Educação - alardeadas neste ano como a salvação da educação paulista - a ‘eficiência' lhe obriga a adotá-las, numa submissão da sua consciência e da experiência que carrega consigo.

Os outros critérios permitem às comissões julgadoras instituídas para a avaliação interpretar como queiram, por exemplo, o ‘compromisso com a Administração Pública'. E quanto à produtividade? Refere-se ao bom desempenho dos alunos - como se fosse da professora ou do professor sua única e exclusiva responsabilidade os resultados, a despeito das condições de trabalho?

Como vemos Srs. e Senhoras Deputadas, mais uma vez, é uma visão empresarial que prevalece sobre a visão educacional e pedagógica. Essa é uma sanha da tecnocracia que domina as orientações "gerenciais" emanadas do Banco Mundial e que tais - converter todo o serviço público segundo o princípio empresarial, considerado eficiente.

A avaliação, nestes moldes, se apresenta como mais um mecanismo de controle, mais uma medida autoritária, pelo qual se vigia o professor e a partir daí, qualquer ‘interpretação' considerada como desvio, vem a punição.

É por isto que a Apeoesp - Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo - tem recebido várias denúncias de que esta avaliação tem dado margem a atos de assédio moral contra os professores. A avaliação é um instrumento de poder - e sob critérios tão estranhos à educação, e absolutamente subjetivos, é um instrumento que serve à coerção moral, para silenciar todo aquele que resista aos desmandos da Secretaria da Educação ou, em alguns casos, da própria Direção da Escola.

Para dizermos de modo direto: o que esta avaliação promove e induz é o exercício do mandonismo, do despotismo - avesso a qualquer manifestação pública de desacordo com os rumos da gestão educacional. Trata-se de uma regressão na democracia na escola.

Tudo isso, mantendo intocadas as condições de trabalho que há muito denunciamos como responsáveis em grande medida pelo mau desempenho da escola pública demonstrado nas avaliações oficiais. Salas superlotadas, salários achatados e estressantes jornadas de trabalho para os professores.

O interesse do Governo do Estado, não é, com efeito, melhorar a qualidade da educação, mas sim meramente uma aferição artificial de desempenho dos alunos - por isso impõe aos professores o seu programa. Se quisesse de fato promover mudanças no cenário desastroso da educação, de imediato aceitaria o dispositivo legal da Lei do Piso do Magistério que, mesmo com suas limitações, reduz a jornada do professor - mas a ele se opõe.

Portanto, Senhores e Senhoras Deputadas, desta tribuna denunciamos a arbitrariedade desta política de avaliação e conclamamos todas e todos que defendem a educação pública, gratuita e de qualidade a se mobilizarem pela revogação deste Decreto. Muito obrigado."

Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP

http://www.ivanvalente.com.br/CN02/noticias/nots_07_det.asp?id=1883

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Conexões greveiras

Dois textos no site do deputado Ivan Valente. O primeiro é anterior à greve, mas penso que descreve bem a situação em que nos meteram. O segundo é um pronunciamento na Câmara dos Deputados. Vale a pena conferir.

Premiação e castigo na educação [14/03/2008]:

As medidas adotadas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo têm sido ungidas como a "salvação da lavoura", particularmente a premiação com bônus financeiro para diretores, professores e funcionários, com base especialmente em exames de avaliação de alunos, como o Saresp.

Saudações aos professores da rede estadual de São Paulo [18/06/2008]:

Queremos saudar os professores da Rede de Ensino Oficial de São Paulo, cumprimentá-los pela altivez, pela luta, pela greve que desencadearam na sexta-feira, após assembléia com mais de 15 mil professores, realizada na Praça da República, em São Paulo, contra o Decreto nº 53.037, de 2008, em vigor, do Governador José Serra.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Estamos em GREVE. E agora?

Uma conversa sobre o porquê,
o para quê e o como fazer greve

O texto que se segue é testemunho fiel da conversa que tivemos ou da conversa que ainda devemos ter com nossos alunos após deflagrada a greve na rede pública estadual de São Paulo [Fernando Vidal Filho e Eduardo Garcia Amaral, professores].

    — Professor, sexta-feira eu passei pela Praça da República e vi como estava cheia. Você também estava lá?

— Estava.

   — E o que vocês decidiram?

— Decidimos que estamos em GREVE.

   — Nossa! Mas por que uma decisão tão radical?

— Vamos começar pelo começo. Não sei se você já reparou, mas a escola pública não anda muito bem das pernas. O governo e os jornais dizem a torto e a direito que a culpa é dos professores. Incompetentes, faltosos, atrasados... estes entre outros adjetivos são usados para qualificar os professores e, por extensão, para culpá-los pelo péssimo desempenho dos alunos. Mas será que é tudo culpa dos professores?

   — Se os alunos não aprendem direito deve ser por que os professores não ensinam direito, né?

— É exatamente nisso que querem que vocês acreditem. Mas pense bem: por que será que os professores não estão conseguindo ensinar direito? Você acha que é a mesma coisa dar aulas pra 35 e pra 50 alunos?

   — Obviamente não.

— Pois os professores geralmente têm que lidar com salas super-lotadas, em que faltam até carteiras pra alguns alunos. Agora pense em mais outra coisa. Será a mesma coisa dar 20 aulas ou 30 numa semana? Ou 50?

   — Novamente: não.

— Pois os professores muitos deles têm uma jornada de trabalho super-carregada, em mais de uma escola, durante os três períodos, nos cinco dias da semana. Isso porque o salário anda lá em baixo. A gente começa a achar que é normal que um professor tenha uma jornada diária de trabalho de mais de 8 horas. E faça as contas: para quantos alunos um professor dá aula? Quantos trabalhos e provas ele tem para corrigir?

   — É de um batalhão de gente, né não?

— Pois é! Agora imagine que este professor, por mais dedicado que seja, não pode acompanhar a aprendizagem de seus alunos, um por um. Com o tanto de coisas para corrigir, fica tudo meio apressado. A parte mais fácil de tudo é corrigir as provas; o difícil mesmo é conseguir corrigir os alunos, fazer com que eles não errem mais naquele ponto. E uns ficam sem aprender quase nada mesmo.

   — Azar desses alunos...

— Não. Azar do professor! Porque essa coisa dos alunos não aprenderem é bem frustrante, sabe? E veja bem: não é por causa do aluno ser ruim, ou do professor ser ruim. Mas é porque as condições de trabalho que enfrentamos é que são ruins, muito ruins, para garantir uma educação de qualidade.

   — Ixi, não tinha pensado nisso...

— Então! Junte essa frustração com a sobrecarga de trabalho. Não temos aumento há mais de 3 anos e temos que colocar a comida na mesa. Para isso trabalhamos mais do que agüentamos, nos desgastamos e adoecemos com freqüência.

   — Então é por isso que há tantas faltas de professores na escola pública?

— Provavelmente é uma das razões, aliás bem razoável, não? Imagine também que essa vida de correria muitas vezes impede que possamos preparar nossas aulas como gostaríamos, estudar coisas novas sobre nossas matérias. Mas mesmo assim estamos na batalha. Agora pense no seu material.

   — Aquele jornal?

— Isso. Assim como ele chegou do nada para você, ele chegou do nada para mim, na véspera. E recebi também uma “Revista do Professor” em que se pretendia ensinar a mim como ensinar com aquele jornal, aula a aula. Depois do jornal, veio um outro “Caderno do Professor”, com várias sugestões de seqüências de aulas que podemos dar.

   — E isso é ruim, professor?

— Se fossem só sugestões, vá lá! Tem uma história no ar de que vocês alunos seriam avaliados por aquilo que está lá no tal Caderno. Aí, já não é sugestão, é imposição; se eu não seguir a cartilha, vocês dançam.

   — Entendi... puts!

— E tem outro lado isso aí. Eu já dou aula há algum tempo, sobre assuntos até semelhantes àqueles do jornal ou do Caderno... teria simplesmente que deixar de lado a minha experiência para seguir uma cartilha que é completamente estranha àquilo que aprendi durante esses anos todos? E tudo aquilo em que acredito, o que sei fazer, pela minha experiência, os caminhos que escolho para as aulas, as questões que privilegio, como eu concebo a educação e o ensino – tudo isto fica de lado? É o que a Secretaria da Educação nos mandou fazer. Ela desprezou nossa experiência, retirou uma conquista nossa: “a liberdade de cátedra”. É uma situação humilhante, você não acha?

   — Eu ficaria bem bravo se fizessem isso comigo.

— E tudo isto tem sido apresentado como a revolução do ensino público paulista. Isso não parece uma grande farsa, quando as condições de trabalho permanecem inalteradas?

   — Para dizer o mínimo.

— Se parássemos por aqui a situação já se mostraria revoltante, você não concorda? Mas isso não é tudo. Além de difamar os professores na imprensa, sucatear as escolas, super-explorar nosso trabalho e destruir nossa identidade profissional, o governo agora quer retirar nossos direitos, nossas conquistas históricas através de decretos que restringem nosso direito de faltar quando ficamos doentes e de nos removermos de unidade escolar quando precisamos mudar de bairro, cidade ou região.

   — Como assim, professor?

— É que, ao invés de melhorar as condições de trabalho que adoecem os professores e os fazem faltar – o que é um problemão –, o governo decreta que podemos apenas faltar 6 vezes por ano por conta de doença.

   — Ah, então quer dizer que se o professor ficar doente em mais de 6 dias por ano ele ganhará ainda menos?

— Isso mesmo.

   — Se o cara estiver na pindaíba ele que venha dar aulas doente?

— Parece ser este o recado.

   — E o outro decreto, o da tal remoção?

— Se fulano tirar qualquer tipo de licença ou tiver mais de 10 faltas, ele não pode pedir transferência para dar aula em outra escola. Se ele estiver entrando agora na carreira, só poderá se remover daqui a três anos, mesmo se na escola em que foi designado não tenha aulas o suficiente para ele completar sua jornada. Fica condenado a dar aulas em mais de uma escola, mesmo sendo efetivo.

   — O sujeito tá lascado então, né?

— Calma, porque não é só isso. Pelo decreto, fica também definido que os concursos para ingresso na carreira serão por diretoria de ensino, e não mais para o Estado todo. Pode acontecer de um candidato obter uma pontuação em que, em uma região estaria classificado, e na outra não. Afora o receio de que o processo e sua impessoalidade fiquem comprometidas. Pior ainda é a situação dos professores que não são efetivos, os “OFAs”. Muitos deles que já dão aula no Estado há muito tempo. Agora, como se a experiência deles não valesse muita coisa, terão que prestar uma prova, uma seleção.

   — Uma avaliação, né?

— É. Mas veja só, que coisa! Os OFAs já não têm garantias de que haja aulas para eles no ano seguinte. São temporários, com relações precárias de emprego. Então, se o sujeito não passa na prova, ou perde a prova por causa de qualquer motivo, ele não poderá assumir aula nenhuma enquanto valer o processo de seleção – um ano, dois? Ninguém sabe. Então, ele de repente pode ficar sem emprego. E, de novo: não é fazendo avaliação e mais avaliação que a educação vai mudar, se não se mexer nas condições de trabalho.

   — Faz sentido...

— É uma medida que não tem impacto na educação, mas sim na precarização da vida dos professores. O Estado não quer assumir os vínculos e suas responsabilidades com estes professores. São descartáveis e muitos serão descartados.

   — Nossa professor! Como dizia meu avô: “A situação tá cínica, os pior vai pras clínica”.

—  Pois é. Antes de ir pras clínica resolvemos fazer uma GREVE pra tentar reverter esta situação.

   — Agora me diga o seguinte: e amanhã, vai ter aula?

— Em primeiro lugar, greve não significa ficar parado. É um tipo curioso de paralisação, pois no fundo é uma grande movimentação. Quando se está paralisado, em estado de greve, é que se tem noção de como o cotidiano é que estava em estado de paralisia. Portanto, ao invés de falarmos de paralisação, deveríamos falar de suspensão das atividades cotidianas, uma maneira de colocar em discussão aquilo sobre o que quase não temos condições nem tempo de discutir.

   — Poxa! Legal isso! Mas discutir o que, hein?

— Temos bastante coisa pra discutir, não? Entre nós professores, sabemos que o problema não está só no decreto, mas tem a ver também com nosso Plano de Carreira, com definição de uma jornada de trabalho que possa garantir de fato a permanência do professor em uma só escola, apontando para uma política de reajuste salarial. Mas temos também muito a discutir com os alunos. Por isso, pelo menos durante essa semana, poderíamos fazer algumas atividades de greve: reuniões, debates, conversas entre os professores, alunos e pais de alunos. Discutir o que todos queremos, que é uma educação de qualidade para todos.

   — É isso aí!

— Ah... e sexta-feira, 20 de junho, às 14:00hs, temos nova Assembléia lá no vão do MASP. Vê se aparece. A gente continua o papo por lá também e tenta dar um jeito nessa situação.

   — Até lá então!

sábado, 17 de maio de 2008

Um Jornal e a produção da notícia

Eduardo Garcia C. do Amaral
Professor efetivo da rede estadual de ensino, SP

A Secretaria de Educação, diante das avaliações que fez através do SARESP e verificando que em geral há um desempenho insatisfatório dos alunos no que se refere às capacidades de ler e escrever, bem como de realizarem raciocínios lógico-matemáticos, decidiu elaborar um material, em formato de jornal, a ser distribuído para todos os alunos, da 5ª série até o ensino médio, com várias atividades que, em princípio, incidiriam sobre tais capacidades, a fim de recuperá-las e/ou desenvolvê-las. Como um esforço de “recuperação intensiva”, o jornal traz o conteúdo a ser ministrado em cada uma das disciplinas, aula por aula, para as primeiras seis semanas do ano letivo.

À primeira vista, a iniciativa mereceria aplauso. É o reconhecimento da Secretaria de que as coisas não vão bem na escola pública e que não se pode deixar as coisas como estão. Além disto, não se trata de uma iniciativa isolada – mas faz parte de um conjunto de medidas que a Secretaria vem anunciando e, com efeito, executando. Pois além do jornal, a Secretaria também definiu um novo currículo para toda a rede de ensino, de modo a padronizar os conteúdos e os tempos em que estes conteúdos são ministrados em toda a rede, a fim de garantir a todos os alunos o seu ensino. Mais do que isto, assim definiu também “expectativas de aprendizagem”, o que se espera que os alunos assimilem e, portanto, o que os professores ensinem. Tudo parece nos conformes do que se espera de uma gestão eficiente na educação, que zele pela qualidade de ensino. São medidas de impacto, se não no dia-a-dia das salas de aula e na aprendizagem dos alunos, seguramente impactam sobre a opinião pública de modo positivo, sobretudo quando recebem grande apoio da mídia.

“O jornal não é um jornal”

Antes de prosseguir, porém, quero desfazer aqui um mal entendido. O jornal não é um jornal. Para que fosse um jornal, não lhe basta ter o tamanho (bastante incômodo, aliás) de um jornal. Em um jornal, haveria editorial, editorias, reportagens, artigos de opinião e até mesmo crônicas e curtos ensaios. Haveria gráficos e tabelas também, como em qualquer jornal moderno que queira de modo “didático” dar-se credibilidade. Enfim, haveria textos de vários gêneros discursivos (necessários para o desenvolvimento da leitura “competente”, como se diz) e variados dados estatísticos, quantitativos ou qualquer coisa assim, cuja interpretação mereça ser trabalhada matematicamente.

Poderíamos até imaginar como lidar com um jornal em sala de aula. Ainda que se tratasse de uma imitação de jornal, mas que mantivesse a linguagem que lhe é própria, essa seria uma importante iniciativa de incentivo da leitura, desde que fosse um material referenciado na experiência real de leitura de um jornal. Seria, além disso, uma importante experiência educativa poder arrancar algum conhecimento partindo de matérias jornalísticas ou, o que me parece mais importante, elaborar com os alunos uma leitura crítica de um jornal, compreender a forma em que os textos são escritos, saber como a informação é produzida e criada, assumindo um ponto de vista nem sempre declarado. Saber enfim quais os critérios que entram em jogo para que um jornal forje para si mesmo sua “credibilidade”.

Portanto, não para tomarmos a informação jornalística de modo passivo, mas refletindo, analisando, criticando o que está escrito, esse seria um importante meio de educar para a cidadania, como se costuma apregoar por aí. Por que não? Pelo simples motivo de que governos, poderosos e a mídia usam de todos recursos “jornalísticos” para manter todos sob seu controle, isto é, o controle que exercem sobre a formação da opinião pública. Aprender na escola oficial a ler um jornal sem lhe dar credibilidade passiva, mas exercer sua leitura crítica, seria colocar a educação em marcha contra a ordem vigente, contra uma das formas em que o exercício de poder se dá. Obviamente, não foi esta a opção adotada.

Mais do mesmo

Se o “jornal” não é um jornal, o que ele é? Nada mais do que uma mera apostila, um “recurso didático” que nada tem de novo, como se quer fazer crer. Entretanto, a adoção de outro material já previamente existente (uma apostila ou um livro didático, por ótimos que fossem) não teria a mesma repercussão “publicitária” como a que foi alcançada pela iniciativa. O que se quer é ter impacto positivo na opinião pública, de uma gestão eficiente, competente e inovadora, que produziu ela mesma um material excelente para alcançar os resultados que se esperam.

Grosseiramente falando, desde que tudo dê certo, eis uma estratégia de campanha publicitária, que visa desde já alguma vantagem eleitoral nas próximas eleições, para os correligionários do governo estadual, ou para as eleições que virão depois, para o próprio governador José Serra que não esconde de ninguém seu desejo de tornar-se presidente da República. Não é ao acaso que, sem nenhuma necessidade pedagógica, o Jornal traga estampado na capa o nome  governador e da Secretária da Educação.

Afinidade de discursos

Por outro lado, este discurso vem acompanhado de outro, que já vem de há algum tempo e com jeito de campanha sistemática e contínua contra os professores, também com grande eco na mídia, que é o discurso da “desmoralização do magistério”: é veiculado que o grande problema da educação nacional é a má formação dos professores, individuando as responsabilidades pelo “fracasso educacional brasileiro”. Quando não é a má formação a única responsável, querem fazem crer que os professores agem também de má-fé: são faltosos, irresponsáveis, descompromissados.

Ocorre que, entre o discurso da gestão eficiente e o discurso da má formação e má-fé dos professores, há uma afinidade que poderia passar desapercebida. Um discurso reafirma ou confirma os termos em que o outro se dá. – Não será necessário, portanto, examinar o conteúdo do jornal em detalhe para a crítica.

Trata-se de demonstrar que os professores são incompetentes e que, com a iniciativa do tal jornal, a Secretaria conseguiu melhorar a qualidade da educação, sem precisar tomar nenhuma medida que resultasse em melhoria salarial, melhores condições de ensino, nem nada disso.

Como fazer? Ora, se os alunos têm um certo desempenho no SARESP quando as provas são feitas sem que os alunos tomem conhecimento prévio do que será pedido a eles, uma prova sobre o Jornal já deixa claro qual o conteúdo que lhes será solicitado. Estatisticamente, é certo que o desempenho médio dos alunos tende a melhorar – ainda que por mera repetição do que eles viram em sala de aula (ainda que não tenham aprendido); parece bastante provável que possam demonstrar os efeitos positivos de tão genial iniciativa. Onde estaria o problema, se não na incapacidade dos professores de planejarem suas aulas?

Adotar uma política de avaliação, tal como foi implementada – com imposição de conteúdos, seqüências didáticas preestabelecidas e uma “prova” como coroamento do processo, aferindo os resultados – faz das aulas um processo de adestramento dos alunos para este tipo de prova; adestrando-os, seguramente melhorarão seu desempenho. Isto certamente provarão as estatísticas.

Certamente, também, os resultados positivos ganharão as manchetes dos jornais, revistas, mídia. A produção da notícia, dela fazemos parte todos. Também os alunos. Os dados serão produzidos para confirmar nossa incapacidade docente (ou a superação dessa incapacidade, a título de “colaboracionistas”) e a eficácia dos gestores, da Secretária, do governador.

Caso contrário, se tudo der errado e os dados produzidos permanecerem sofríveis, a campanha de desmoralização dos professores será intensificada. E em ambos os casos, quem perde é a educação pública paulista.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Eleições na Apeoesp, dia 5 de junho

Era uma vez um sindicato. Éramos fortes, combativos. Lutamos contra a ditadura, e também na abertura. Construímos, patrimônio nosso, um importante instrumento de defesa e de conquista de direitos, não apenas dos professores, mas também da sociedade, sob a bandeira da educação pública de qualidade para todos.

O tempo passou e veio a crise. O mundo do trabalho se transformou rapidamente, prevalecendo relações mais precárias e o debulho dos direitos conquistados. Os governos sucessivamente implementaram diretrizes neoliberais, danando ainda mais as condições de vida de quem vive do trabalho.

Os sindicatos perderam força e recuaram em sua plataforma política e na disposição de combate aos patrões. Tal recuo resultou em práticas de aparelhamento dos sindicatos pelos grupos que o dirigem, que lutam para sua perpetuação na direção sindical. E assim viramos o século.

Não foi diferente com a Apeoesp. Apesar da estrutura democrática da entidade, com seus Representantes de cada Escola, nosso sindicato ficou desacreditado e inoperante para fazer frente aos ataques que temos sofrido, pois sua direção afastou-se das lutas que se travam na própria escola, como as que mencionamos na página anterior.

Além disso, há anos Bebéis, Felícios e que tais estão a frente do sindicato. São todos do mesmo grupo que é majoritário na entidade. Seguramente há méritos que colecionaram nesta jornada. Entretanto, encastelaram-se no sindicato com tranqüila hegemonia, e por isso são também responsáveis pelos descaminhos que a Apeoesp trilhou.

É PRECISO MUDAR DE DIREÇÃO, MUDAR DE RUMO. RETOMAR A COMBATIVIDADE.

É por isso que o coletivo Apeoesp na escola e na Luta decidimos compor chapa para a direção da entidade junto a outros agrupamentos de oposição.

Nesta eleição, são duas as alternativas: ou fica tudo como está ou é a hora de mudar e votar na Oposição Unificada na Luta. Em primeiro lugar, para assegurar o pluralismo na direção da Apeoesp, somando forças e esforços que não têm encontrado espaço para reorientar as práticas do sindicato, com que acreditamos fazê-lo avançar.

Em segundo lugar, a unidade da oposição traz a possibilidade de vitória nas eleições do dia 5 de junho e com ela a esperança de renovação da Apeoesp.

É preciso devolver a Apeoesp à escola, para enfrentar o assalto à nossa liberdade intelectual, resgatar nossa identidade e a qualificação da escola pública paulista.

CUT: Plebiscito já!
   A CUT tem uma importante história de lutas em defesa dos trabalhadores. Hoje em dia, entretanto, a sua atuação está bem distante dos princípios e bandeiras que anteriormente a orientavam.

O apoio dado a reformas que retiram direitos, como a reforma da previdência e a reforma trabalhista, e a perda de autonomia diante dos interesses do governo são exemplos dessa transformação. Isso para não falar do ato do 1º de maio, que virou uma festa bancada por empresas!

O professorado tem de decidir se a APEOESP vai continuar filiada à CUT. Plebiscito já!

Educação em tempos bicudos

Apeoesp na Escola e na Luta é  um  coletivo  de  professores  de oposição aos setores que controlam o nosso sindicato. A escolha do nome do nosso coletivo não é por acaso. Ela revela uma  concepção de  militância sindical e educacional. Nosso coletivo está presente em mais de 20 subsedes em várias partes do Estado de São Paulo.

Publicamos abaixo nosso informativo do mês de maio.

As medidas de Serra e Maria Helena vêm ao arrepio da democracia e vão na contramão da qualidade da educação

Eles mantêm nossos salários congelados. Não há verbas, alegavam. Agora nos dizem que professores não ganham tão mal assim e que, portanto, não haverá aumento. Por fim, nos dizem ainda, os “melhores” serão premiados, “bonificados”, por avaliação de seu desempenho.

Como o orçamento doméstico insiste em desmentir que nosso salário seja um bom salário, então corremos a tomar mais aulas no início no ano, o quanto for possível. Como um bônus seria bastante proveitoso quando o salário míngua, então cumpre também que obedeçamos as diretrizes da Secretaria da Educação.

Tudo se passa como uma espécie de chantagem, que para ter efeito, carece que sejamos acuados, e acuam-nos. Fazem veicular que a responsabilidade pela má qualidade de ensino é nossa – e desmoralizam-nos com todo apoio da mídia: dizem que os professores somos mal formados e irresponsáveis, faltosos. E a mídia aplaude a chantagem e vocifera: “incompetentes!”

Entre a humilhação e a chantagem, cada qual vai incorporando para si mesmo a imagem que querem que façam de nós. Assumem como ofício uma certa mediocridade pedagógica e um pacto do menor esforço, como resposta ao pouco que nos pagam e às condições adversas de ensino encontradas em nossas escolas, que permanecem inalteradas. Outros consentem com os termos da campanha pública de desmoralização do magistério e deste modo é que reconhecem seus colegas de profissão.

Num caso como no outro, já não se reconhecem em seu trabalho como professores. A nossa identidade profissional foi extorquida, esmoreceu. Nestas circunstâncias foi que, desde o início do ano, os mais duros ataques se desferiram, aos quais ainda não soubemos resistir com força suficiente para impedir seus desdobramentos, que continuam a se desdobrar.

Trocando em miúdos, quando a Secretaria da Educação intervém na escola, com uma Proposta Curricular que define não só “o que ensinar”, mas também “como devemos ensinar”, roubam-nos aquilo que concretamente nos define enquanto professores, nossa identidade profissional, que forjamos por aquilo que pensamos e sabemos. Nossa experiência foi desprezada e, com ela, desprezada também nossa identidade. Apresentam “sugestões” para nossas aulas, desqualificando nossa experiência como algo ultrapassado e equivocado, e mais uma vez é nossa identidade profissional que é atingida e nos transformamos em meros executores de uma proposta que não é a nossa. E a Apeoesp, o que fez?

ASSALTO À LIBERDADE!

Os professores são pressionados (e ameaçados) para que apliquem a proposta curricular do governo, fazer com que ela dê certo, independente de concepções pedagógicas diversas àquela adotada pela Secretaria. Afinal, dirão eles, a proposta foi elaborada por especialistas que sabem o que dizem, como se qualquer coisa que temos a dizer fosse então bobagem de todo dispensável.

   Para além da imposição de sua “apostila”, as medidas vêm também atingir a autonomia da escola.

Para fazer a escola “funcionar” em acordo com a política implementada, adotou-se o discurso da empresa privada: É uma questão de liderança, do “protagonismo” do gestor, o Diretor de escola, centralizando ele as decisões e responsabilidades, e por  conseqüência, esvaziando as atribuições do Conselho de Escola.

Foi assim que a escolha dos professores coordenadores não passa por nenhuma discussão entre os professores, mas é de atribuição do Diretor e Supervisor.

O que as medidas da SEE induzem é a prática do mandonismo (“aqui quem manda sou eu!”). As decisões passam a se basear antes em avaliações de perfil, conforme o julgamento exclusivo do Diretor, como um arremedo de especialista em recursos humanos, alcunhado de “gestor”.

Se centralizam poder na figura dos diretores é para que executem, por quais meios forem, a proposta do governo. Ao esvaziar o Conselho de suas atribuições, é para que não haja espaço para o debate, nem para o dissenso. E a Apeoesp nada fez para reagir.