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sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Pequena avaliação dos tempos difíceis

Este foi um ano difícil, e nada indica que o próximo será melhor. Pelo contrário. Não vai aqui nenhum pessimismo de ocasião, mas apenas o reconhecimento do violento avanço da política educacional do governo estadual que, apesar do amplo movimento de greve que minorou perdas, não fomos suficientemente fortes para resistir.

Eles avançam, convertendo os assuntos educacionais e escolares à lógica adotada em qualquer empresa privada, segundo os critérios de "eficiência" muito alheios ao que se passa em uma sala de aula. Para tanto, cuidaram de elaborar e impor um conjunto de medidas que visam o absoluto controle sobre nosso fazer na escola, controle que prevê retaliações administrativas a quem oferecer resistência - e em breve, cairão sobre a cabeça de todos as avaliações de "desempenho". Por outro lado, vale a lógica do aliciamento, da cooptação ao projeto imposto, com benesses a título de "bônus por desempenho" ou qualquer vantagem pecuniária na compra de um laptop.

Não há espaço para qualquer dissenso. O que se espera é a adesão passiva e silenciosa (ou silenciada) à transformação de educadores em meros executores e cumpridores de metas e programas, através dos quais se medem sua eficiência e seu desempenho. Querem fazer crer que os únicos responsáveis pelo fracasso da educação pública são os professores, mal formados, que não sabem dar aulas, por serem descompromissados. Isto justifica a adoção das cartilhas e a imposição de conteúdos curriculares.

Convertem assim a educação no adestramento dos alunos para os exames oficiais, com a única finalidade de melhorar os indicadores estatísticos do Estado. A despeito de tudo o que se possa pensar de diferente, a despeito da desejável pluralidade de concepções pedagógicas que deveria prevalecer na educação pública, a despeito do que acreditam e da experiência dos que se dedicam ao ensino - disto tudo se faz letra morta. Afinal, "os professores nunca souberam como dar aulas".

Nunca soubemos, se eles forem os experts no assunto, embora distantes do que se passa em uma sala de aula, das estressantes jornadas de trabalho, das condições de todo adversas de trabalho nas escolas, como sabemos, de inumeráveis alunos por sala de aula, incontáveis avaliações para se dar conta. Seja como for, são pessoas que se dizem muito sérias - e por serem tão sérias assim, dão-se a liberdade de agir de modo autoritário, sem consultas ou sem considerar consulta alguma. É a impregnação da tecnocracia que, com absoluto controle e com meios de coerção moral, gerencia o fazer de todos na escola, tanto quanto em uma empresa privada. O caráter público da educação se perde, para apenas responder aos ditames do patrão de plantão.

Não é por acaso os casos de violência na escola - vivida de modo tão escancarada no episódio da EE. Amadeu Amaral, no Belém, cidade de São Paulo. Pois quando reina o autoritarismo e regridem as práticas democráticas, de negociação e diálogo, a escola vive como uma panela de pressão, sempre pronta a se estourar. É assim quando os professores já não reconhecem a si mesmos em suas aulas, quando correm a cumprir metas sem convicção ou mesmo por oposição ao que pensam; quando os alunos se vêem participando de um grande espetáculo farsesco - de uma escola que mal prepara para a vida e para a liberdade, mas apenas para os sarespes e provinhas que tais.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Serra sabota o piso salarial do magistério

Pronunciamento do Deputado Ivan Valente (PSOL-SP)
no Plenário da Câmara dos Deputados em 27 de novembro de 2008

Depois de quase três décadas de luta do movimento docente, o governo federal sancionou, em julho passado, a Lei do Piso Nacional do Magistério público da educação básica, que estabelece que nenhum professor, em qualquer lugar do país, pode receber menos do que R$ 950,00. No entanto, mal o movimento comemorou tal conquista parcial, como abordarei adiante e o piso nacional já corre riscos de ser enterrado vivo.

Numa ação conjunta de negação do direito à educação e ao trabalho digno de milhões de brasileiros, os governadores do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Ceará moveram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei do Piso Nacional. Em diversos estados, os governadores ameaçam propor projetos com outros valores para o piso salarial para a categoria.

É por isso que, nos somando aos esforços da comunidade educacional, lançamos no último dia 19/11, na Comissão de Educação e Cultura desta Casa, a Frente Nacional em Defesa do Piso Salarial do Magistério. A bancada do PSOL integra esta Frente por entender que a valorização dos profissionais da educação é peça chave num processo de superação das dívidas educacionais que o Brasil ainda apresenta. Dívidas que vão da alta taxa de analfabetismo até à falta de vagas nas universidades públicas. E que jamais serão sanadas enquanto vigorar a atual política de ajuste fiscal, que privilegia o pagamento de juros exorbitantes de uma dívida ilegal em detrimento da garantia de direitos da população.

Comprometer-se com a remuneração de R$ 950 é o mínimo que os municípios e estados devem fazer. Sabemos que a lei deve impactar as redes estaduais e municipais dos Estados mais pobres. Nesses casos, é importante que o governo federal garanta a complementação da União. Afinal, este valor, em si, está muito aquém das expectativas do professorado e de suas necessidades. Quando o projeto que instituiu o piso nacional passou pela Comissão de Educação e Cultura, chegamos a apresentar um voto em separado, propondo, em substitutivo que também apresentamos, o piso de R$ 1.565,61 para 20 horas semanais trabalhadas.

Desde lá, vínhamos afirmando que a insuficiência de recursos destinados para a área educacional e a protelação das ações governamentais, através do gradualismo dos prazos e da progressividade dos aportes de recursos, evidenciavam a falta de compromisso em promover a qualidade da educação a que todos os cidadãos têm direito.

O reconhecimento de que existe uma relação indissociável entre qualidade de educação e remuneração condigna do magistério decorre de um longo processo histórico, que vem desde a Constituição de 1934. A inclusão na Constituição Federal, de 1988, do art. 206, inciso V valorização dos profissionais do ensino, garantidos na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB, de 1996, do art. art. 2º, inciso VII valorização do profissional da educação escolar são frutos desta luta.

Anos mais tarde, o Plano Nacional de Educação estabeleceu como princípio a valorização dos profissionais da educação através da garantia das condições adequadas de trabalho, entre elas, o tempo para estudo e preparação das aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de magistério e com particular atenção à formação inicial e continuada, em especial dos professores. O PNE também previa um aumento significativo de recursos (7% do PIB) em educação para promover impacto real na melhoria da qualidade do ensino e ampliação de direitos fundamentais.

Tudo isso está muito distante da realidade atual. Continuamos a trabalhar com a socialização da miséria na educação, com minguados recursos, disponibilizados a conta gotas, conforme a disponibilidade financeira do momento.

Sr. Presidente, sras e srs deputados, enquanto prevalecer a lógica perversa que impõe o Estado mínimo, que enxuga a máquina estatal, não dá para dizer que educação é prioridade. Continuamos com educadores trabalhando em jornadas excessivas e desumanas, com salários defasados e formação deficiente, com salas de aula superlotadas, com carreiras desestimuladoras, com escolas sem infra-estrutura física e de pessoal adequadas.

É urgente rompermos com políticas educacionais como as que vêm sendo implantadas em meu estado, onde a regra é vigiar e punir.

Precisamos criar condições efetivas para o trabalho pedagógico na escola, incluindo aí salários dignos para os profissionais da educação e a redução da jornada de trabalho. Esta, aliás, também é uma determinação da Lei do Piso Nacional. Ela estabelece que o professor dedique, no mínimo, um erço da sua jornada a atividades extraclasses, como correção de provas e planejamento de aula. Para cumprir a determinação da jornada, em São Paulo será preciso contratar cerca de 60 mil professores.

Daí a resistência do governador José Serra, que já começa a mostrar suas novas boas intenções. Mas nós não desistiremos. Vamos seguir lutando para garantir a recomposição da jornada sem redução do salário, possibilitando mais emprego para a categoria e melhoria na qualidade do ensino. E seguiremos batalhando pelo aumento do piso nacional, para que os professores finalmente sejam remunerados com dignidade e de forma compatível à sua importância para o país.

Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP

http://www.ivanvalente.com.br/CN02/pronunciamentos/pron_det.asp?id=626

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Retrocessos na Educação de São Paulo

Pronunciamento do Deputado Ivan Valente (PSOL-SP)
no Plenário da Câmara dos Deputados em 4 de novembro de 2008

Sr. Presidente, Senhores e Senhoras Deputadas, já usamos em outra ocasião a expressão Vigiar e Punir, inclusive nesta tribuna, para nos referir à política educacional implementada pelo Governo Serra em São Paulo. Quero insistir nesta caracterização, em função de denúncias que temos recebido de perseguição às professoras e professores em estágio probatório, que são submetidos a ‘Avaliação Especial de Desempenho'.

Pretende-se com mais esta avaliação a observação ao ‘princípio da eficiência na Administração Pública', no entanto as professoras e professores são avaliados pelos seguintes critérios, conforme o Decreto do Governador Jose Serra no. 52.344, de 09 de novembro de 2007:

I - assiduidade;
II - disciplina;
III - capacidade de iniciativa;
IV - responsabilidade;
V - comprometimento com a Administração Pública;
VI - eficiência;
VII - produtividade.

Vejamos em detalhes como tais princípios são interpretados pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Chamamos especial atenção para dois destes critérios:

Para o critério de assiduidade, considera-se como falta qualquer ausência, à exceção de faltas abonadas, ainda que justificada e em casos previstos como nojo, gala e licença-prêmio. Ou seja, perderá pontos na sua avaliação profissional quem sofrer luto pela perda de um ente querido, ou quem se casar. E o que dirá dos professores que aderirem a paralisações chamadas pelo sindicato?

O outro, eficiência: ‘apresentação, na prática, de cumprimento do contido nas propostas curriculares; uso adequado dos materiais pedagógicos e outros materiais disponibilizados pela Secretaria da Educação; apresentação de bom nível de rendimento no exercício de suas atribuições.'

Ora, tal eficiência é um atentado à liberdade docente! Ainda que o professor discorde das orientações curriculares da Secretaria de Educação - alardeadas neste ano como a salvação da educação paulista - a ‘eficiência' lhe obriga a adotá-las, numa submissão da sua consciência e da experiência que carrega consigo.

Os outros critérios permitem às comissões julgadoras instituídas para a avaliação interpretar como queiram, por exemplo, o ‘compromisso com a Administração Pública'. E quanto à produtividade? Refere-se ao bom desempenho dos alunos - como se fosse da professora ou do professor sua única e exclusiva responsabilidade os resultados, a despeito das condições de trabalho?

Como vemos Srs. e Senhoras Deputadas, mais uma vez, é uma visão empresarial que prevalece sobre a visão educacional e pedagógica. Essa é uma sanha da tecnocracia que domina as orientações "gerenciais" emanadas do Banco Mundial e que tais - converter todo o serviço público segundo o princípio empresarial, considerado eficiente.

A avaliação, nestes moldes, se apresenta como mais um mecanismo de controle, mais uma medida autoritária, pelo qual se vigia o professor e a partir daí, qualquer ‘interpretação' considerada como desvio, vem a punição.

É por isto que a Apeoesp - Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo - tem recebido várias denúncias de que esta avaliação tem dado margem a atos de assédio moral contra os professores. A avaliação é um instrumento de poder - e sob critérios tão estranhos à educação, e absolutamente subjetivos, é um instrumento que serve à coerção moral, para silenciar todo aquele que resista aos desmandos da Secretaria da Educação ou, em alguns casos, da própria Direção da Escola.

Para dizermos de modo direto: o que esta avaliação promove e induz é o exercício do mandonismo, do despotismo - avesso a qualquer manifestação pública de desacordo com os rumos da gestão educacional. Trata-se de uma regressão na democracia na escola.

Tudo isso, mantendo intocadas as condições de trabalho que há muito denunciamos como responsáveis em grande medida pelo mau desempenho da escola pública demonstrado nas avaliações oficiais. Salas superlotadas, salários achatados e estressantes jornadas de trabalho para os professores.

O interesse do Governo do Estado, não é, com efeito, melhorar a qualidade da educação, mas sim meramente uma aferição artificial de desempenho dos alunos - por isso impõe aos professores o seu programa. Se quisesse de fato promover mudanças no cenário desastroso da educação, de imediato aceitaria o dispositivo legal da Lei do Piso do Magistério que, mesmo com suas limitações, reduz a jornada do professor - mas a ele se opõe.

Portanto, Senhores e Senhoras Deputadas, desta tribuna denunciamos a arbitrariedade desta política de avaliação e conclamamos todas e todos que defendem a educação pública, gratuita e de qualidade a se mobilizarem pela revogação deste Decreto. Muito obrigado."

Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP

http://www.ivanvalente.com.br/CN02/noticias/nots_07_det.asp?id=1883