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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Miguel Nicolelis dedica prêmio científico a seus professores



O cientista brasileiro comemora o prêmio de R$ 4,4 milhões e comenta suas chances ao Nobel.

Natasha Madov,

Miguel Nicolelis: um candidato brasileiro ao Nobel

A ciência brasileira comemora: o neurocientista paulistano Miguel Nicolelis ganhou, por seu pioneirismo, de um prêmio de US$2,5 milhões (R$ 4,4 milhões), um dos mais cobiçados dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês).
A verba será doada ao longo de cinco anos e servirá para aprofundar suas pesquisas sobre o funcionamento do sistema nervoso e a interação cérebro-máquina.“O projeto é importantíssimo. Poucos recebem esse volume de dinheiro para um projeto nos Estados Unidos”, disse ao iG o professor titular de neurocirurgia da Faculdade de Medicina da USP Manoel Jacobsen Teixeira.

"O Nicolelis é um entusiasta. Para criar novas tecnologias, tem sonhar porque elas ainda não existem. Se você não tiver alma de artista, não será um investigador. Ele tem essa alma. E é um investigador completo. Ele faz de tudo, de construir o eletrodo a analisar os dados. Tudo com muita competência.", completa o neurologista, que também tem um trabalho em conjunto com Nicolelis em pessoas com Parkinson no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

O projeto consiste na implantação de eletródios no cérebro de pessoas com Parkinson, que emitem estímulos elétricos sobre os neurônios, revertendo os sintomas da doença. Os sinais são controlados por um marcapasso. Está programada a realização de 12 cirurgias deste tipo. A primeira delas aconteceu em maio.

A notícia do prêmio do NIH foi recebida com alegria em Natal, cidade onde Nicolelis é diretor científico do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), referência mundial de pesquisa biomédica, e que mantém projetos como a Escola de Educação Científica Alfredo J. Monteverde. “O prêmio foi muito bom, pois, com o dinheiro o Dr. Nicolelis poderá manter os estudos do laboratório em Duke por dois anos”, disse Dora Montenegro, diretora da escola científica, que atende crianças do ensino público em Natal.




"Meu negócio é trabalhar"Em uma conexão entre Atlanta e San Francisco, o neurocientista conversou com o iG sobre a repercussão do prêmio, seu trabalho em Natal e nos Estados Unidos, as possibilidades de um Nobel no futuro e mostrou que mesmo longe, não perde uma notícia da sua outra paixão, o Palmeiras. Leia abaixo:

iG: Como o senhor recebeu a notícia do prêmio?

Miguel Nicolelis: Recebi com muita alegria, com muita satisfação. É algo inédito e muito difícil de conseguir. Todo pesquisador americano é convidado a se inscrever para esse prêmio, com uma espécie de dissertação. São alguns milhares de cientistas que se inscrevem mandando um texto sobre o futuro da ciência na sua área. E depois esse número é drasticamente reduzido para uns 30, 40 finalistas, e cada um deles dá uma aula rápida, de 15 a 20 minutos e o comitê dá uma nota e escolhe o grupo vencedor. É um processo de vários meses, meio torturante. Eu sabia que a minha nota foi alta, pelo relatório do comitê, mas a gente nunca sabe o que acontece no final.


iG: O que pretende fazer com a verba?

Nicolelis: Expandir as nossas pesquisas na área da interface cérebro- máquina. Poderemos testar uma série de idéias e testar uma série de tecnologias que não poderíamos sem esse prêmio. E poderemos avançar esse campo de uma maneira bem mais rápida do que eu imaginava há duas semanas.
Primeiro vamos poder expandir a capacidade de registro da atividade elétrica do cérebro de algumas centenas de células para algumas dezenas de milhares. Só isso será um avanço muito grande.

Poderemos construir um espaço virtual para criar avatares de nossos animais de laboratório, nossos primatas, o que vai permitir que testemos do ponto de vista técnico e operacional todos os aspectos da veste robótica que nós estamos desenvolvendo.

E se os testes forem como imaginamos, poderemos avançar para testes com pacientes bem mais rápido do que eu imaginava antes. Vamos acelerar todas as etapas. Nosso trabalho com Parkinson, se tudo der certo, em um ano já conseguimos. O trabalho com as vestes robóticas, levará uns dois ou três até iniciarmos algum teste clínico.

iG: Como divide seu tempo entre Natal e Estados Unidos?

Nicolelis: Mais ou menos 30% do meu tempo eu passo em Natal. O resto passo entre Estados Unidos e Europa, nos laboratórios e dando palestras. Lá trabalhamos também com interface cérebro-máquina. Também colaboro com o Sidarta Ribeiro, em estudos da atividade do córtex cerebral e sonhos. Mais um ex-aluno meu, Rômulo Fuentes, está chegando em Natal para continuar o trabalho com Parkinson em primatas.

Temos várias linhas de trabalho que estão transformando Natal num polo muito importante de neurociência no Brasil, que está sendo conhecido no mundo inteiro. Onde eu vou o pessoal pergunta do instituto em Natal. É muito bom ter isso.

E neste momento temos 18 crianças da periferia de Natal que fizeram nosso curso de educação científica e vão passar a ser estagiários do Instituto de Neurociência, vão fazer iniciação científica. São crianças que vieram de escolas públicas com problemas seríssimos, passaram três anos conosco e agora desenvolveram não só o interesse e a paixão como a capacidade de se tornar cientistas mirins e vão passar a trabalhar nos laboratórios do instituto. Lá é um celeiro de cientistas.

iG: O senhor é o primeiro brasileiro a ganhar esse prêmio. Que outras pesquisas brasileiras merecem destaque internacional?

Nicolelis: Vários, em todas as áreas do conhecimento. Os professores Ruth e Victor Nussenzweig, e seu trabalho em malária em Nova York, que é espetacular. O professor Luiz Hildebrando Pereira da Silva que era do Instituto Pasteur e agora está em Rondônia. Tanto dentro quanto fora do Brasil, existem cientistas brasileiros com um talento enorme, é difícil de lembrar o nome de todos. A qualidade dos cientistas brasileiros é muito alta atualmente.

iG: Volta e meia seu nome é citado como um provável prêmio Nobel. O que o senhor acha disso?

Nicolelis: Ah, eu não tenho a menor idéia. [ri]. Eu não sei de nada.

iG: Mas ouvir isso não é novidade para o senhor, não?

Nicolelis: Ouvir, não. Mas eu não tenho opinião nenhuma. Não sou eu quem vota, não sou eu quem decide, eu só fico quietinho. Meu negócio é trabalhar.

Eu gostaria de dedicar esse prêmio da NIH a todos os professores que tive no Brasil. É uma classe tão sofrida, que trabalha com tantas dificuldades. Mas desde o primeiro ano da escola primária, até a universidade e depois da universidade, foram os professores brasileiros que me ajudaram a perseguir o meu sonho. É a todos eles que eu dedico esse prêmio.

iG: E o senhor soube da volta do Valdívia ao Palmeiras?

Nicolelis: Ô, essa eu fiquei sabendo na hora. Esse tipo de notícia eu não perco.

Colaboraram Maria Fernanda Ziegler, enviada a Natal e Alessandro Greco

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Enem falha em levar pobre à faculdade, diz ex-chefe do Inep

Enem falha em levar pobre à faculdade, diz ex-chefe do Inep
Mariana Desidério
Especial para Terra Magazine




Essa semana o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) divulgou os dados do Enem de 2009. E eles mostram que a desigualdade brasileira no que diz respeito à educação está longe de ser resolvida. Estudantes de regiões mais desenvolvidas - como o Sudeste - e de escolas particulares - como o colégio Vértice, de São Paulo - tiveram os melhores desempenhos.

Tudo isso, porém, não é novidade. É o que diz Otaviano Helene, ex-presidente do Inep e professor do Instituto de Física da USP. Ele afirma que o poder público já conhece as demandas da educação há muito tempo, mas não toma atitudes para resolvê-las. Este foi um dos motivos que levou Helene a deixar o Inep apenas sete meses depois de assumir a presidência do Instituto, em 2003.

- Faz muito tempo que a gente sabe que esses problemas existem. E tudo o que a gente faz é medi-los? Não tem sentido isso. Nenhum problema vai ser resolvido porque ele foi medido várias vezes. Parece um pouco uma cortina de fumaça.

Para o professor da USP, o Enem também não cumpre com seu objetivo inicial, de aumentar as chances de estudantes menos favorecidos entrarem na faculdade.

- O Enem veio mais para criar problemas do que para solucionar. Quando inventaram o Enem era pra dar uma oportunidade para os estudantes mais desfavorecidos. Tudo bobagem. O cara que vai bem no Enem, vai bem no vestibular de múltipla escolha, no dissertativo, em redação e em matemática. O cara que vai mal no Enem, vai mal em tudo.

Leia a íntegra da entrevista:

Terra Magazine - O número de escolas que ficaram sem nota do Enem por conta da baixa adesão de seus alunos ao exame foi de 34% em 2009. Este dado é preocupante?

Otaviano Helene - O preocupante nesses tipos de avaliação são outras questões. Por exemplo, a diferença de desempenho entre os estudantes em função da faixa de renda e das condições econômicas é muito marcante. É dolorosamente marcante. Isso é uma coisa absolutamente inaceitável no sistema escolar.
A gente está medindo com o Enem, com o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e com os antigos Saeb's (Sistema de Avaliação da Educação Básica) um problema que já tinha que ter sido solucionado. Faz décadas que está medindo. Faz muito tempo que a gente sabe que esses problemas existem. E tudo o que a gente faz é medi-los? Não tem sentido isso. Nenhum problema vai ser resolvido porque ele foi medido várias vezes. Esse é o grave problema de exames como o Enem.

O senhor acha então que esses dados sobre educação são supervalorizados?

Parece um pouco uma cortina de fumaça. Chama a atenção da população sem que o essencial apareça. Nós estamos cansados de saber que esses indicadores dependem muito fortemente das condições socioeconômicas da população. E a escola precisa ter um mecanismo para compensar condições desfavoráveis de estudo. A sociedade precisa criar um mecanismo para que dê efetivamente a mesma chance para o estudante pobrezinho das regiões atrasadas ou o bem de vida das regiões abastadas. Isso é republicano. Estou falando de coisas de 200 anos atrás. Não estou falando uma coisa revolucionária. Até hoje a gente não resolveu o problema, e se contenta em medir o seu tamanho. As escolas teriam que oferecer uma educação adequada para todo mundo, independente da renda. Esse negócio que aparece no Brasil que quanto mais bem de vida a pessoa, a população, a região, o entorno, a cidade etc, melhor o desempenho dela no Ideb, no Saeb, no Enem, isso não tem sentido. Isso tem que ser resolvido e não medido.

E porque o senhor acha que esse problema não foi resolvido?

A razão é que isso de forma alguma está dentro do programa das elites brasileiras. A elite que domina o país de todas as formas não se interessa por este problema. Não é um problema que diz respeito às elites. Então você tinha que ter um governo com compromissos com a população que enfrente este problema. Só que qualquer coisa popular, social, coletiva, de interesse republicano neste país, a elite sai, usando seus meios de comunicação e bombardeando aquela proposta. Isso tem que acabar. A população e os governos têm que enfrentar esta questão.

Que tipo de problemas as escolas apresentam hoje?

Hoje, 30% das crianças não acabam o ensino fundamental. A escola fica fragilizada frente a população. Os professores são criticados inclusive pelo secretário de educação. Os professores trabalham sobrecarregados, com um salário que para ter uma renda minimamente aceitável vai ter que trabalhar uma carga horária intolerável. As classes são superlotadas. Não há instrumentos de gratuidade ativa, que garanta aos estudantes frequentarem a escola independente das suas condições econômicas pessoais.

Isso tudo acaba culminando na pouca busca pelo ensino superior? Quais as consequências disso para o país?

As consequências são gravíssimas. No Brasil, o número de jovens engajados no ensino superior em relação à população total é, grosso modo, a metade do número de vários vizinhos nossos na América do Sul. Simplesmente a metade, não é que é um pouco a menos. E muito menos ainda quando comparado com os países desenvolvidos. Além disso, por causa da privatização, os cursos são de baixíssima qualidade.

Que papel o Enem tem nisso tudo

O Enem veio mais para criar problemas do que para solucionar. Se você lembrar no passado, no governo Fernando Henrique, quando inventaram o Enem, era pra dar uma oportunidade para os estudantes mais desfavorecidos. Diziam que o Enem ia medir habilidades e competências e o estudante menos favorecido, mesmo que não tivesse o conteúdo das aulas ia mostrar tanto habilidade e competência quanto os estudantes mais favorecidos. Tudo bobagem. Bobagem de ponta a ponta. O cara que vai bem no Enem, vai bem no vestibular de múltipla escolha, vai bem no vestibular dissertativo, vai bem em redação, em matemática. O cara que vai mal no Enem, vai mal em tudo.

Mas em algumas faculdades o Enem passou a ser o próprio vestibular...

Mas quem entra nessas faculdades com o Enem entraria com o vestibular. Não mudou nada. O peso do Enem no vestibular é desprezível. Você não mudou em nada o perfil de quem entra ou deixa de entrar nas universidades, principalmente nos cursos e nas instituições mais disputados. Não teve nenhum efeito no sentido de democratizar o acesso, coisa nenhuma.

Você foi presidente do Inep por apenas sete meses. Porque?

Eu saí por várias razões, inclusive por isso. Você tinha todas as informações sobre todos os detalhes da situação da educação no país, região por região, rede por rede (rede estadual, municipal etc). Tinha um mapa total. Mas as políticas educacionais, especialmente de estados e municípios, não passam por aí.

Elas não levam em conta esses dados?

Não levam em conta a realidade e continuam não levando. Você sabe quais são os problemas no ensino paulista com todos os detalhes possíveis. Sabe onde falta professor e porque falta. Sabe onde as salas são grandes demais, sabe porque os estudantes se evadem, porque eles vão mal, sabe onde faltam instrumentos de gratuidade ativa. Sabe que o salário do professor é, grosso modo, entre metade e dois terços do salário de outros profissionais com nível superior. Sabe de tudo, e nada é corrigido

terça-feira, 13 de julho de 2010

20 anos do ECA !!!

O ECA e as penitenciárias mirins

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) faz 20 anos. Mais uma vez, os conservadores tentam mostrá-lo como uma lei de proteção a criminosos mirins. Como algo que não funciona. Ou funciona contra a “sociedade”.

Encontram um grande público disposto a acreditar nisso. Afinal, a grande imprensa costuma se referir ao Estatuto apenas quando relata crimes cometidos por crianças e adolescentes. E tais crimes estão longe de merecer tanta atenção.

Dados estatísticos mostram que no Brasil apenas 10% das infrações à lei são praticadas por crianças ou adolescentes. Deste total, 8% são crimes contra a vida. Mais de 70% têm como alvo o patrimônio, principalmente furtos.

Por outro lado, anualmente 70 mil adolescentes e jovens brasileiros são mortos por causas externas. O dado é do Datasus e compreende principalmente homicídios. Segundo o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), os homicídios representam 46% de todas as causas de mortes de brasileiros com idade entre 12 e 18 anos.

Enquanto isso, dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos mostram que entre 96 e 99, as internações de menores cresceram 102%. Em 2009, quase 17 mil crianças e adolescentes estavam internados em contra pouco mais de 4.200 em 1996. E sabemos bem de que tipo de internação se trata. Em sua grande maioria, não passa de prisão comum, e das piores.

Realmente, o ECA não tem funcionado. Principalmente, porque não foi colocado em prática. O que se faz em nome dele é encarcerar menores aos montes. Em especial, os pobres e negros.

Sérgio Domingues