Páginas

quarta-feira, 27 de abril de 2011

STF rejeita ação contra mudança na jornada de professores

FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA

O STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou nesta quarta-feira uma ação de cinco governadores de Estado que pedia a declaração de inconstitucionalidade de uma lei federal que modificou a jornada de trabalho dos professores da rede pública de ensino.

STF decide que piso salarial para professores é constitucional
Lei do piso salarial para professores da rede pública ainda enfrenta resistência

Eles questionavam a Lei 11.738 de 2008, que instituiu a dedicação de um terço da jornada de trabalho de 40 horas por semana para atividades extraclasse, estudo ou planejamento de aulas.

A votação sobre o tema empatou em 5 a 5, mas como não houve votos suficientes nem para dizer que a lei é constitucional, nem que é inconstitucional, o pedido foi simplesmente rejeitado.

Isso quer dizer que a lei está em vigor, mas pode voltar a ser analisada no futuro, em caso de novo questionamento.

Apenas dez ministros votaram no caso, pois José Antonio Dias Toffoli se declarou impedido por ter atuado no caso quando era AGU (Advogado Geral da União).

Essa é a mesma ação que questionava o piso salarial para professores da rede pública, cuja análise foi iniciada no início de abril.

Na ocasião, o tribunal decidiu que o piso dos professores, de R$ 1.187,97 mensais para 40 horas por semana, é constitucional.

A questão da carga horária, porém, havia ficado em aberto, pois os ministros discordavam sobre a questão.

Cinco deles defendiam a constitucionalidade da regra, enquanto os outros quatro consideravam ilegal a determinação para que 33% da carga horária dos professores fosse dedicado a outras atividades que não a sala de aula.

Precisa-se de seis votos para que o STF declare que uma norma é constitucional ou não. Como não houve votos suficientes, o plenário decidiu esperar pelo o presidente do tribunal, ministro Cezar Peluso, que estava viajando. Ontem, ele empatou a questão.

A ação foi proposta pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Ceará, que alegavam falta de previsão orçamentária correspondente à contratação de professores para suprir a mudança da jornada de trabalho prevista pela lei do piso.

http://www1.folha.uol.com.br/saber/907966-stf-rejeita-acao-contra-mudanca-na-jornada-de-professores.shtml

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Educadores contestam artigo da "Veja"

Sob o título “Que bom que os Sindicatos de Trabalhadores da Educação preocupam os sacerdotes da privataria e seus braços ideológicos!”, vários educadores divulgaram texto com críticas ao artigo de Gustavo Ioschpe (“Hora de Peitar os Sindicatos de Professores”), veiculado no site da revista “Veja”.

Por Gaudêncio Frigotto, Zacarias Gama, Eveline Algebaile, Vânia Cardoso da Mota e Hélder Molina

Vários meios de comunicação utilizam-se de seu poder unilateral para realizar ataques truculentos a quem ousa contrariar seus interesses. O artigo de Gustavo Ioschpe, publicado na edição de 12 de abril de 2011 da Revista Veja (campeã disparada do pensamento ultraconservador no Brasil), não apenas confirma a o pção deliberada da Revista em atuar como agência de desinformação – trafegando interesses privados mal disfarçados de interesse de todos –, como mostra o exercício dessa opção pela sua mais degradada face, cujo nível, deploravelmente baixo, começa pelo título – “hora de peitar os sindicatos”. Com a arrogância que o caracteriza como aprendiz de escriba, desde o início de seu texto, o autor considera patrulha ideológica qualquer discordância em relação &ag rave;s suas parvoíces.

Na década de 1960, Pier Paolo Pasolini escrevia que o fascismo arranhou a Itália, mas o monopólio da mídia a arruinou. Cinquenta anos depois, a história lhe deu inteira razão. O mesmo poderia ser dito a respeito das ditaduras e reiterados golpes que violentaram vidas, saquearam o Brasil, enquanto o monopólio privado da mídia o arruinava e o arruína. Com efeito, os barões da mídia, ao mesmo tempo em que esbravejam pela liberdade de imprensa, usam to do o seu poder para impedir qualquer medida de regulação que contrarie seus interesses, como no caso exemplar da sua oposição à regulamentação da profissão de jornalista. Os áulicos e acólitos dessa corte fazem-lhe coro.

O que trafega nessa grande mídia, no mais das vezes, são artigos de prepostos da privataria, cheios de clichês adornados de cientificismo para desqualificar, criminalizar e jogar a sociedade contra os movimentos sociais defensores dos direitos que lhes são usurpados, especialmente contra os sindicatos que, num contexto de relações de superexploração e intensificação do trabalho, lutam para resguardar minimamente os interesses dos trabalhadores.

Os artigos do senhor Gustavo Ioschpe costumam ser exemplos constrangedores dessa “vocação”. Os argumentos que utiliza no artigo recentemente publicado impressionam, seja pela tamanha tacanhez e analfabetismo cívico e social, seja pelo descomunal cinismo diante de uma ca tegoria com os maiores índices de doenças provenientes da superintensificação das condições precárias de trabalho às quais se submete.

Um dos argumentos fundamentais de Ioschpe é explicitado na seguinte afirmação:

Cada vez mais a pesquisa demonstra que aquilo que é bom para o aluno na verdade faz com que o professor tenha que trabalhar mais, passar mais dever de casa, mais testes, ocupar de forma mais criativa o tempo de sala de aula, aprofundar-se no assunto que leciona. E aquilo que é bom para o professor – aulas mais curtas, maior salário, mais férias, maior estabilidade no emprego para montar seu plano de aula e faltar ao trabalho quando for necessário - é irrelevante ou até maléfico aos alunos.

A partir desse raciocínio de lógica formal, feito às canhas, tira duas conclusões bizarras. A primeira refere-se à atribuição do poder dos sindicatos ao seu suposto conflito de interesses com “a sociedade representada por seus filhos/alunos”: “É por haver esse potencial conflito de interesses entre a sociedade representada por seus filhos/alunos e os professores e funcionários da educação que o papel do sindicato vem ganhando importância e que os sindicatos são tão ativos (...)”.

A segunda, linearmente vinculada à anterior, tenta estabelecer a existência de uma nefasta influência dos sindicatos sobre o desempenho dos alunos. Nesse caso, apoia-se em pesquisa do alemão Ludger Wossmann, fazendo um empobrecido recorte das suas conclusões, de modo a lhe permitir afirmar que “naquelas escolas em que os sindicatos têm forte impacto na determinação do currículo os alunos têm desempenho significativamente pior”.

Os signatários deste breve texto analisam, há mais de dois anos, a agenda de trabalho de quarenta e duas entidades sindicais afiladas à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e acompanham ou atuam como afiliados nas ações do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN. O que extraímos dessas agendas de ação dos sindicatos é, em tudo, contrário às delirantes e deletérias conclusões do articulista.

Em vez de citar pesquisas de segunda mão, para mostrar erudição e cientificidade em seu argumento, deveria apreender o que demanda uma análise efetivamente científica da realidade. Isso implicaria que de fato pesquisasse sobre a ação sindical docente e sobre os processos econômico-sociais e as políticas públicas com os quais se confronta e dialoga e, a partir dos quais, se constitui. Não imaginamos que um filho de banqueiros ignore que os bancos, os industriais, os latifundiários, a grande mídia têm suas federações ou organizações que fazem lobbies para ter as benesses do fundo público.

Um efetivo envolvimento com as pesquisas e com os processos sociais permitiria ao autor perceber onde se situam os ver dadeiros antagonismos e “descobrir” que os sindicatos não se criaram puxando-se de um atoleiro pelos cabelos – à moda do Barão de Münchhausen –, autoinventando-se, muito menos confrontando-se com os alunos e seus pais.

As análises que não levam isso em conta, que se inventam puxando-se pelos cabelos a partir dos atoleiros dos próprios interesses, não conseguem apreender minimamente os sentidos dessa realidade e resultam na sequência constrangedora de banalidades e de afirmações levianas como as expostas por Ioschpe.

Uma das mais gritantes é relativa ao entendimento do autor sobre quem representa a sociedade no processo educativo. É forçoso lembrar ao douto analista que os professores, a direção da escola e os sindicatos também pertencem à sociedade e não são filhos de banqueiros nem se locupletam com vantagens provenientes dos donos do poder.

Ademais, valeria ao articulista inscrever-se num curso de história socia l, política e econômica para aprender uma elementar lição: o sindicato faz parte do que define a legalidade formal de uma sociedade capitalista, mas o ultraconservadorismo da revista na qual escreve e com a qual se identifica já não o reconhece, em tempos de vingança do capital contra os trabalhadores.

Cabe ressaltar que todos os trocadilhos e as afirmações enfáticas produzidos pelo articulista não conseguem encobrir os interesses privados que defende e que afetam destrutivamente o sentido e o direito da população à educação básica pública, universal, gratuita, laica e unitária.

Ao contrário do que afirma a respeito da influência dos sindicatos nos currículos, o que está mediocrizando a educação básica pública é a ingerência de institutos privados, bancos e financistas do agronegócio, que infestam os conteúdos escolares com cartilhas que empobrecem o processo de formação humana, impregnando-o com o discurso único do mer cado – o da educação de empreendedores. E que, muitas vezes, com a anuência de grande parte das administrações públicas, retiram do professor a autoridade e a autonomia sobre o que ensinar e como ensinar dentro do projeto pedagógico que, por direito, eles constroem, coletivamente, a partir de sua realidade.

O que o Sr. Ioschpe não mostra, descaradamente, é que esses institutos privados não buscam a educação pública de qualidade e nem atender o interesse dos pais e alunos, mas lucrar com a venda de pacotes de ensino, de metodologias pasteurizadas e de assessorias.

Por fim, é de um cinismo e desfaçatez vergonhosa a caricatura que o articulista faz da luta docente por condições de trabalho e salário dignos. Caberia perguntar se o douto senhor estaria tranquilo com um salário-base de R$ 1.487,97, por quarenta horas semanais, para lecionar em até 10 turmas de cinquenta jovens. O desafio é: em vez de “peitar os sindicatos”, convide a sua turma para trabalhar 40 horas e acumular essa “fortuna” de salário básico. Ou, se preferir fazer um pouco mais, trabalhar em três turnos e em escolas diferentes. Provavelmente, esse piso para os docentes tem um valor bem menor que o que recebe o articulista para desqualificar e criminalizar, irresponsavelmente, uma instituição social que representa a maior parcela de trabalhadores no mundo.

Mas a preocupação do articulista e da revista que o acolhe pode ir aumentando, porque, quando o cinismo e a desfaçatez vão além da conta, ajudam aqueles que ainda não estão sindicalizados a entender que devem fazê-lo o mais rápido possível.



Gaudêncio Frigotto, Zacarias Gama e Eveline Algebaile são professores do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/UERJ).

Vânia Cardoso da Mota é Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Colaboradora do PPFH/UERJ.

Hélder Molina é educador, assessor sindical e doutorando do PPFH/UERJ.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

STF considera constitucional piso nacional para professores da rede pública

Notícias STF
Quarta-feira, 06 de abril de 2011
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, declararam a constitucionalidade da Lei 11.738/2008, na parte que regulamenta o piso nacional - vencimento básico - para os professores da educação básica da rede pública. O ministro Marco Aurélio ficou vencido.
NO ENTANTO, A constitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 2º, que determina o cumprimento de no máximo 2/3 da carga horária do magistério em atividades de sala de aula, ainda será analisada pela Corte. Parte dos ministros considerou que há invasão da competência legislativa dos entes federativos (estados e municípios) e, portanto, violação do pacto federativo previsto na Constituição. Com isso, não se chegou ao quorum necessário de seis votos para a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma.
O julgamento, que durou mais de quatro horas, ocorreu na tarde desta quarta-feira (6), durante a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4167, ajuizada na Corte pelos governos dos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará. 
http://migre.me/4chKF 


Em tempo:
Quando a lei foi aprovada, em 2008, alertávamos para uma interpretação equivocada do §4º do Art.2, que é coisa ainda não decidida pelo STF.

Além de estipular o piso salarial, a lei também altera a jornada de trabalho dos professores, ao definir o limite máximo de dois terços da carga horária com os alunos, sendo o restante do tempo dedicado, a título de "trabalho pedagógico extra-classe", a atividades de planejamento, avaliação e correção das atividades realizada pelos alunos e formação continuada; isto é, a proporção que a lei estabelece é uma hora de trabalho pedagógico para cada duas aulas com os alunos. Em São Paulo, esta proporção é uma para cada cinco.

Alternativas

Para cumprir a lei, o governo do Estado deverá alterar o Plano de Carreira até o final do ano de 2009, redefinindo as jornadas de trabalho docente, conforme tabela abaixo.

Quadro Comparativo de Jornadas

Em São Paulo (atual)

Lei 11.738


jorn

aulas

htp

jorn

aulas

htp*

Jornada Inicial

24h

20

4h

2 HTPC
2 HTPL

24h

16

8h

Jornada Básica

30h

25

5h

2 HTPC
3 HTPL

30h

20

10h

Jornada Integral

40h

33

7h

3 HTPC
4 HTPL

40h

26

14h

* Hora de Trabalho Pedagógico extra-classe total, considerada a soma de HTPC (‘Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo', realizada na escola) e HTPL (de Livre escolha, fora da escola inclusive).
Trata-se portanto da redução do número de aulas que compõe cada jornada (Inicial, Básica ou Integral) e dobrar a atual carga horária destinada a trabalho pedagógico.

A curto prazo, de duas, uma: ou o governo já reduz a carga horária de aulas, mantendo assim os atuais vencimentos, e contrata mais professores para assumirem as aulas remanescentes; ou então mantém a atual carga horária de aulas, desde que não ultrapassem o limite de 26 aulas semanais - alterando a opção pela jornada de trabalho de todos os professores que se encontram na atual jornada inicial, passando para a nova jornada básica - e aumenta os vencimentos.

Qualquer outra interpretação que se dê à Lei é um exercício de tapeação. É desconsiderar as reivindicações históricas de quem atua na educação e assim desconsiderar o espírito da lei. O governo do Estado ensaiou uma interpretação insustentável da lei, fazendo prevalecer a sua política em detrimento de qualquer conquista - ainda que tímida, como se vê - dos professores.

Oposição Unificada na Apeoesp!

Dia 9 de junho haverá eleições para a diretoria do Sindicato dos Professores da Rede Oficial de Ensino de São Paulo. A Oposição está unificada e apresenta o seu manifesto.
Manifesto Oposição Unificada Apeoesp 2011

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O impacto dos conflitos armados sobre a educação



Quarenta e dois por centro dos meninos e meninas que não estão na escola vivem em países pobres em situação de conflito armado, segundo a Unesco

04/03/2011
Maribel Hernández


Quarenta e dois por centro dos meninos e meninas que não estão na escola vivem em países pobres em situação de conflito armado, segundo o último informe da Unesco apresentado no dia 1º de março. Se os 21 países mais pobres diminuíssem cerca de 10% do seu gasto militar, poderiam garantir a educação de 9,5 milhões de crianças. Somente 2% da ajuda internacional humanitária está destinada a investimentos em educação.

Há pouco mais de uma década, em abril de 2000, representantes de 160 países se reuniram em Dacar (Senegal) no Fórum Mundial de Educação. Deste encontro surgiria o Marco de Ação para uma "Educação para Todos" e o compromisso de zelar pelo cumprimento de seis objetivos básicos em matéria de acesso à educação e infância, com uma data-chave no horizonte: 2015. A quatro anos de se esgotar esse prazo, a Unesco apresentou no dia 1º, em Nova York, seu informe que, neste ano, aborda de maneira explícita um dos contextos em que se mostra mais patente e, paradoxalmente, mais invisível o fracasso da comunidade internacional na hora de garantir esse direito humano básico: os conflitos armados.

Segundo o informe "Uma crise encoberta: conflitos armados e educação", atualmente 28 milhões de crianças estão privadas do seu direito a receber educação em consequencia dos conflitos armados, 42% do total de jovens em idade de frequentar a escola primária. "As guerras estão destruindo as possibilidades de receber educação em uma escala cuja magnitude não se reconhece suficientemente. Os fatos são eloquentes: mais de 40% das crianças do planeta que não vão à escola vivem em países afetados por conflitos. Nesses mesmos países se registram algumas das maiores desigualdades entre os sexos, e alguns dos níveis mais baixos de alfabetização de todo o mundo", sustenta a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova.

As consequencias dos conflitos armados para os mais jovens (é preciso recordar que 60% da população de grande parte dos países em situação de conflito têm menos de 25 anos de idade) os deixam expostos a outras situações de risco, como a violência sexual ou a possibilidade de se converterem em "alvos legítimos" para os combatentes. Além disso, segundo a Unesco, a probabilidade de que as crianças de países pobres em conflito faleçam antes de completar cinco anos é duas vezes maior do que no restante dos países pobres não afetados pelo conflito armado, ainda que esses últimos sejam minoria. Dos 35 países que entre 1999 e 2008 passaram por conflitos armados ou guerras, um total de 30 são países de baixa renda ou renda média baixa. Nesses, ressalta o informe, é cada vez mais comum que as escolas, educadores e estudantes se convertam em objeto de ataque, apesar disso se constituir em uma clara violação do direito internacional. No Afeganistão, os ataques contra centros escolares passaram de 347 em 2008 para 613 em 2009, ressalta o informe, que destaca também as ações armadas contra escolas para meninas no Paquistão, ou no norte do Iêmen, onde durante os combates entre forças do governo e grupos rebeldes em 2009 e 2010 destruíram cerca de 220 escolas.

Paralelamente, as violações e outros abusos sexuais se estendem como arma de guerra, não somente contra mulheres, mas também contra meninos e especialmente meninas. Na República Democrática do Congo (RDC), por exemplo, um terço das vítimas de violações foram menores de idade e, desses, cerca de 13% tinham menos de 10 anos, embora, como recorda a Unesco, é possível que esse número seja dez a vinte vezes maior. Os efeitos desse tipo de violência sobre a educação são devastadores, assegura a organização, "prejudica o potencial das vítimas para aprender, cria um clima de medo que faz com que as meninas fiquem em casa e leva à ruptura de muitas famílias, o que deixa meninas e meninos sem um entorno ambiente para sua educação".

Todos esses aspectos, aponta o diretor do informe, Kevin Watkins, mostram "o fracasso dos governos na hora de defender os direitos humanos" e a persistência de uma cultura de impunidade em torno da violência sexual em contextos de conflito armado. Para Watkins, "é hora da comunidade internacional pedir contas a quem perpetra crimes tão odiosos como as violações sistemáticas, e que respalde as resoluções das Nações Unidas como uma ação firme e decidida".

No entanto, a comunidade internacional anda ocupada com outras tarefas mais lucrativas. Sem dúvida, o gasto em armamentos militares consome os recursos que os países doadores poderiam destinar em apoio à educação das crianças das nações pobres. Somente com o que os países ricos dedicam a gastos militares durante seis dias, seria possível anular o déficit anual de financiamento do programa "Educação para Todos", avaliado em 16 milhões de dólares.

Tampouco o sistema internacional de ajuda humanitária parece levar muito em conta as necessidades educativas dos meninos e meninas em países afetados por conflitos armados. Segundo informações do informe, a educação só representa cerca de 2% do total de ajuda humanitária e satisfaz unicamente uma proporção muito reduzida das petições de apoio, apenas 38%, a metade da porcentagem média no restante dos setores receptores de ajuda.

Por outro lado, as prioridades em matéria de segurança dominam a agenda da ajuda humanitária dos países doadores. Isso faz com que a ajuda se destine a um número muito reduzido de Estados e, muitas vezes, os países mais pobres do mundo ficam fora da partilha. Por exemplo, enquanto a ajuda para a educação básica no Afeganistão quintuplicou nos últimos cinco anos, países como Chade ou República Centroafricana veem a ajuda que recebem aumentar muito lentamente ou estancar; no caso da Costa do Marfim, diminui.

Além disso, a Unesco recorda que nos países em situação de conflito armado há um claro desvio do gasto dos fundos públicos em armamentos que poderiam ser convertidos para educação. Assim, entre os países mais pobres do mundo, um total de 21 destina mais dinheiro ao orçamento militar do que à escola primária. Uma redução de seu gasto militar de aproximadamente 10% seria a possibilidade de escolarizar 9,5 milhões de crianças que hoje estão privadas desse direito.

Para o arcebispo e Prêmio Nobel da Paz em 1984, Desmond Tutu, que junto com outras personalidades como Shirin Ebadi, José Ramos-Horta e Rania de Jordânia, participou do informe da Unesco, é urgente tomar ações decisivas. "O que peço aos líderes mundiais é que exponham essa simples declaração de intenções: Basta já! [...] Faço um chamado aos dirigentes dos países ricos para que prestem uma ajuda mais eficaz às pessoas que estão em zonas afetadas por guerras". Tutu exige dos doadores uma vontade como daqueles que veem suas escolas destruídas e fazem o possível para seguir mantendo sua educação. "No entanto, pouca ajuda é proporcionada para a educação às populações dos países em conflito, e ocorre que muitas vezes não recebem o tipo de ajuda adequado [...] A ajuda ao desenvolvimento sofre da síndrome do 'demasiado pouco e demasiado tarde'. Um dos resultados disso é que estão perdendo oportunidades para reconstruir os sistemas de educação".

Embora a Unesco reconheça em seu informe alguns resultados positivos, como a queda da mortalidade em crianças menores de cinco anos (de 12,5 milhões em 1990 para 8,8 milhões em 2008), para a organização "o mundo não vai por um bom caminho", se quiser alcançar as metas fixadas para 2015. Entre alguns dos principais freios aos avanços está a fome, que afeta a um em cada três meninos em países em desenvolvimento (195 milhões no total) e que acarreta danos em seu desenvolvimento coletivo e prejudica suas perspectivas educativas em longo prazo; ou as desigualdades de gênero. "Se em 2008 se tivesse alcançado no mundo a paridade entre os sexos no ensino primário, hoje haveria 3,6 milhões de meninas matriculadas nas escolas", afirma o texto. Estas disparidades também têm a ver com o nível de educação das mães. "Se a taxa geral de mortalidade infantil na África subsaariana se situasse no nível médio de mortalidade infantil dos meninos nascidos de mães com estudos secundários, o número de meninos pequenos mortos nesta região diminuiria em 1,8 milhões", revela.

Por fim, a rainha Rania da Jordânia conclui em uma das páginas do informe: "enquanto houver crianças de países em conflito sem escolarização, não se poderão alcançar as metas para a Educação para Todos e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ao mesmo tempo o radicalismo e a violência crescerão superando todas as previsões [...] A educação não só impede a eclosão dos conflitos, mas ajuda a reconstrução dos países em situação de conflito armado quando esses acabam. Há algo muito mais importante do que a inevitável reconstrução da administração e das infraestruturas: a reconstrução das mentes".



Tradução: Patrícia Benvenuti



Fotos: UNESCO/M. Hofer; UNESCO/T. Habjouq; UNESCO/Eman Mohammed