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terça-feira, 16 de março de 2010

O que é que está em jogo

Eduardo Garcia C. do Amaral
Professor de Filosofia, em greve.


O texto abaixo foi escrito já faz alguns anos, como contribuição a um documento nosso que visava discutir as transformações recentes no mundo do trabalho com o avanço do que se convencionou chamar de "neoliberalismo". Em linhas gerais, a partir dos anos 90 são notáveis as políticas de redução de direitos sociais e a transferência de funções do Estado, como promotor de direitos, ao mercado, como prestador de serviços.

Em relação ao emprego, sistematicamente os direitos conquistados pelos trabalhadores foram atacados ou até subtraídos, pois encarecem os custos com a produção (e reduzem as margens de lucro dos patrões). A grita dos patrões é pela redução dos impostos e dos encargos sociais e pela contratação de trabalhadores ao menor custo possível. Por outro lado, queríamos entender também porque é que, mesmo à frente de enormes perdas e dificuldades, os trabalhadores não esboçavam resistência e, quando o fizeram, não tinham força o bastante para derrotar os patrões.

Frente a este quadro, a preservação de direitos, duramente conquistados, soou como manutenção de privilégios. Direito ao emprego, 13º salário, férias, Fundo de Garantia, aposentadoria de uns, cada vez mais poucos, diante de uma multidão que nem salário tem e que se vira como pode em qualquer semáforo, ou quando tem, é com contrato de prestação de serviço, serviço feito e tchau, sem direito adicional.

Resgato o texto neste momento em que nos deparamos com uma greve. Nada do que dissemos há pouco e do que está dito abaixo é diferente do que se passa com os professores do Estado. Professores transformados em meros prestadores de serviço e ao menor custo possível, como aqueles recém contratados por tempo de um ano sob a Lei 1093/09 e que não poderão ser readmitidos no próximo ano. A reflexão é válida também aos professores menos recentes e antigos que, ano-a-ano, sentem seu orçamento cada vez mais apertado, e por isso, lutam para conseguir o maior número possíveis de aulas (e de empregos) que pode suportar, ou além disso e padecem, adoecem.

Todo o conjunto de medidas adotadas pelo governo Serra tem um mesmo sentido: baratear custos, seja com a contratação de pessoal, encerrando o vínculo empregatício com os professores mais antigos para contratar novos, em novo regime de contratação; seja com um novo plano de carreira que nega qualquer reajuste linear para toda a categoria, pois o que vale agora é o "merecimento", de uns poucos - quando o direito já não é de nenhum.

O que está em jogo em uma greve, qualquer que ela seja, é um último suspiro contra a opressão que se dá sob a forma da máxima exploração do (nosso) trabalho; último suspiro antes de vermos direitos subtraídos e esgotadas todas nossas forças, físicas e morais.

Ao destituírem a humanidade dos direitos mais elementares à vida, a vida mesma se converte numa luta diária, sem trégua ou descanso, pela mera sobrevivência. Ao reduzirem homens e mulheres à condição de sobreviventes, não há espaço para civilização ou cultura, mas tão-somente para a barbárie.

Cada um por si, cada um se faz a si mesmo: é o que os norte-americanos chamam de 'self made man'. Aproveitar as oportunidades – se necessário, sendo oportunista, tudo em nome do sucesso, custe o que e a quem custar.

A depender das condições, quanto mais adversas, o sucesso na luta pela sobrevivência flerta ou mesmo adere à criminalidade e à violência. Quando não há direitos assegurados, também as leis de nada valem: é um permanente estado de exceção, e melhores são as oportunidades de sucesso dos fora-da-lei.

Os demais, com pudores cívicos inculcados pela dita civilização, amargam toda forma de humilhação e de exploração de suas forças físicas e morais até o esgotamento. Neste quadro absurdo, tornam-se aceitáveis as mais precárias condições de trabalho por um salário; por mais minguado que seja, é mais seguro para a sobrevivência do que o risco do desemprego.

Ou então se lançam aos riscos das oportunidades no mercado de trabalho informal, se sorte houver; ou ainda, então, restam como alternativas a mendigagem, a prostituição ou o tráfico. Não há projeto civilizatório que resista à desumanização que se impõe na luta pela sobrevivência.

Esta é a lição dos tempos que agora correm, em que o capitalismo segue sua marcha triunfante. Não há tempo para esperança, porque nada há de se esperar. Não há tempo para a utopia, a não ser como diversão ou ilusão.

Tais são as condições históricas em que nos meteram. Tempo de desilusões e desesperança, o futuro foi rifado. As perspectivas são adversas e, na luta cotidiana pela sobrevivência, cada um por si, somos empurrados para a solidão, o isolamento e a abstinência política no que tange a quaisquer projetos civilizatórios de maior escopo.

Por isto mesmo é que os tempos atuais exigem outra luta, para além da sobrevivência, luta pela afirmação da vida, plena de possibilidades, pela garantia de direitos, luta que engendra nova esperança e outras perspectivas futuras.

[2006]

Vamos à luta, companheiros!

2 comentários:

  1. A cada dia que passa,com o processo de alienação da categoria docente e a diminuição do poder aquisitivo da categoria,através de salários cada vez baixos,precarizando o dia-a-dia dos professores,a ignorância da grande massa popular é incentivada e,com ela,a vitória dos oportunistas de plantão em todos os níveis ocorre e a exclusão social dos mais necessitados aumenta,reforçada inclusive com o péssimo conteúdo dos materiais pedagógicos distribuidos aos mais carentes.
    APEOESP NA ESCOLA E NA LUTA!!!!!!!

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  2. Professores da rede pública estadual, cada vez mais carentes de recursos econômicos e de capacitação para o exercício do seu digno magistério,sem o recebimento de direitos trabalhistas básicos,como o FGTS,o auxílio-transporte,o auxílio moradia,além de um convênio médico e odontológico satisfatório,estão,por inúmeras ocasiões,vivendo quadros de depressão seríssimos,pelas precárias condições de suas carreiras e o desgaste no trato com os alunos e demais pessoas,o que favorece a sua exclusão no acesso aos bens oferecidos na sociedade brasileira,também provocando desempenhos profissionais lesivos aos seus aprendizes,vítimas de chefias burocráticas estatais,que ajudam na limitação de orçamentos destinados à Educação,o que só atrapalha o Projeto da União Federal,de erradicação do analfabetismo funcional e da qualificação para o trabalho técnico,provando-se,sem sombra de dúvidas,que todo o dinheiro recebido do BID-Banco Internacional de Desenvolvimento,desde os governos FHC,Mário Covas e Alckimim,não foram aplicados corretamente e que o atual não demonstra qualquer interesse em,pelo menos,remediar essa situação,cujo símbolo é a famosa PROGRESSÃO CONTINUADA,onde a aprovação era automática e a exclusão social garantida.Aliás,sobre o conhecido PSDB,o que foi feito dos bilhões de reais provenientes da venda das empresas estatais brasileiras,por todo o território nacional,inclusive no período no qual o atual Governador Paulista José Serra foi Ministro da Saúde??????????????

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