Páginas

terça-feira, 17 de março de 2009

Diversidade leva classe média à escola pública

Para que convivam com alunos de vários níveis socioculturais, pais como a atriz Andréa Beltrão preferem matricular filhos na rede pública. Casos estão restritos a colégios públicos com padrão alto de aprendizado e ainda são minoria nas famílias mais ricas !

Diretora da escola municipal Minas Gerais, Regina Paschoa, resume da seguinte maneira o desafio de lidar com a diversidade na instituição: "É muito fácil trabalhar apenas com diamantes. Nosso desafio é juntar diamantes e cascalhos e fazer isso dar resultado".

Muitos procuram algo que os colégios particulares, por serem pagos, são incapazes de proporcionar: um ambiente diversificado, onde convivem alunos de vários níveis socioculturais.

Foi esta a opção de Andréa Beltrão, atriz que interpretou uma professora no filme "Verônica", lançado neste ano.Mãe de três filhos, ela diz que a escolha foi natural. "Eu estudei em escola pública. Minha mãe deu aula no Pedro 2º [colégio federal no Rio]. Por isso, quis para meus filhos uma escola em que o critério de entrada não fosse o dinheiro", diz.

Casos como o dos filhos de Andréa ainda são minoria nas famílias mais ricas.Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, tabulados pela Folha, mostram que em 2007 apenas 16% das crianças nas famílias de maior renda (mais de cinco salários mínimos per capita) estudavam em escolas públicas. Em 2001, eram 12%.Como não abre mão da qualidade, esse movimento da classe média em direção à escola pública ainda é restrito aos poucos estabelecimentos estatais que conseguem manter alto padrão de aprendizagem.

É o caso da escola municipal Minas Gerais, no Rio, incluída em 2006 numa lista do Ministério da Educação e do Unicef de escolas públicas modelo. Além de atender crianças mais pobres, a escola atrai uma parcela da classe média, como o funcionário público Luiz Eduardo Ricon. Seus dois filhos, de nove e 14 anos, estudavam num colégio particular até o ano passado."O problema não era a mensalidade. Eu e minha mulher achávamos que o melhor para eles era estudar numa escola que fosse representativa da cidade em que vivem, pois, no futuro, vão trabalhar e conviver com todos, e não apenas com pessoas de classe média que pensam como eles", diz Ricon.Ensino mais valorizadoEm São José dos Campos (SP), o professor Túlio Lopes Cunha conta uma história parecida. Suas duas filhas, de três e nove anos, estudam hoje na rede municipal da cidade. A mais velha, no entanto, veio de uma escola particular onde a mensalidade custava R$ 430."Levei em conta também a questão financeira, mas só matriculei minha filha mais velha nessa escola depois que vi que ela ficou bem acima da média", diz Cunha, citando o Ideb, índice do MEC que monitora a qualidade da educação pública e que mostrou que a escola Jacyra Baracho estava entre as 20 melhores de São Paulo.Até o momento, ele diz que não teve motivos para arrependimento. "Minha filha se adaptou muito bem. Está se sentindo até mais acolhida. Pela minha experiência como professor, sei que muitos pais de escolas particulares acham que a educação se resume a pagar uma escola. Na rede pública, aprende-se a valorizar mais o ensino", afirma Cunha.

Outra vantagem adicional citada por pais que optaram pela rede pública é a mudança em hábitos de consumo."A pressão consumista diminui bastante, pois não existe tanto essa coisa de eles quererem usar na escola calça de marca ou tênis da moda", conta a engenheira Ana Cristina Nori, que tem um filho na escola municipal Minas Gerais e outro que estudou lá no ensino fundamental.Nori diz não se abalar quando ouve o argumento de que seus filhos poderiam estar na rede particular, liberando a vaga para alunos mais pobres."Eu pago impostos e tenho os mesmos direitos que qualquer outro cidadão. Sempre estudei em escola pública e acho que, se a classe média não tivesse abandonado a escola pública quando ela começou a piorar, hoje, certamente, a situação do ensino não seria tão ruim."

"Mistura" melhora ensino, dizem diretores

Pais com maior nível de escolaridade trazem para a escola mais cobrançaResultados de avaliações nacionais e internacionais demonstram benefícios da menor distância no desempenho dos alunos !!!

A diretora da escola municipal Minas Gerais, Regina Paschoa, resume da seguinte maneira o desafio de lidar com a diversidade na instituição: "É muito fácil trabalhar apenas com diamantes. Nosso desafio é juntar diamantes e cascalhos e fazer isso dar resultado".Segundo ela, todos os alunos se beneficiam quando, por exemplo, pais com maior nível de escolaridade trazem para a escola mais cobrança.A diretora da rede de ensino do colégio federal Pedro 2º, Anna Fonseca, lembra que para se beneficiar dessa diversidade social é preciso preparo. "Como fazemos sorteio para ingresso no ensino fundamental, a diversidade, especialmente nos primeiros anos, é significativa. Temos algumas estratégias para fazer com que todos tirem o máximo possível.

Nossa grade curricular permite que o aluno se desenvolva em várias áreas do conhecimento" , diz.Avaliações internacionais mostram que, em redes onde a distância entre melhores e piores alunos é menor, os resultados, na média, são melhores.A menor desigualdade no desempenho, por exemplo, é uma característica da Finlândia e de Hong Kong (China), que obtiveram os melhores resultados no último Pisa, exame internacional que compara o aprendizado em ciências, leitura e matemática em diversos países.Em comum aos dois casos está o fato de mais de 90% dos alunos estudarem no mesmo tipo de escola (pública na Finlândia e particular com financiamento governamental em Hong Kong).Os benefícios da menor desigualdade aparecem também em avaliações nacionais. Cidades do interior do Sul e Sudeste onde há maior presença da classe média na rede pública aparecem com frequência entre as melhores nas avaliações do MEC. No Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), o melhor desempenho médio dos alunos é encontrado nas cidades do Rio Grande do Sul, onde a distância entre as notas da rede pública e privada é menor.

"Meus filhos estudam com filhos de médico e de servente", diz atriz


A atriz Andréa Beltrão diz que a imagem de escola pública em sua vida está associada à qualidade de ensino.

FOLHA - O que a levou a matricular seus filhos na rede pública?ANDRÉA BELTRÃO - A vida inteira fui aluna de escola pública, e isso está associado para mim a uma coisa boa. Estudei no Pedro 2º e minha mãe foi professora lá por muitos anos. Tenho uma situação financeira confortável e poderia matriculá-los num colégio caro, mas queria uma escola de qualidade onde o critério de entrada não fosse o dinheiro. Meus filhos estudam com filhos de médico, de porteiro, de servente. Todos vestem o mesmo uniforme. Isso não é bravata ou bandeira. Fui criada dessa maneira.

FOLHA - Há quem possa olhar e dizer que você está roubando a vaga de um aluno pobre ?

ANDRÉA - É uma visão reacionária. Meus filhos conseguiram a vaga porque são netos de funcionário, e eu me beneficio disso sem nenhum pudor porque pago meus impostos e penso que a escola pública de qualidade é um direito de todos. Mas procuro também ajudar bastante a escola, e fico muito feliz ao perceber que vários pais fazem o mesmo, de acordo com suas possibilidades.

FOLHA - O fato de seus filhos poderem ter um nível de consumo maior que o dos colegas não dificulta a convivência?

ANDRÉA - De jeito nenhum. Aliás, rola um constrangimento maravilhoso se um aluno quiser ostentar dentro da escola. É um mico fazer isso num lugar onde a filosofia é: "Não risque o seu caderno porque no ano que vem outras crianças vão usar". Isso muda o comportamento em relação ao ter.Eles, por exemplo, ganharam Ipod [tocador de MP3 da Apple] logo que foi lançado, mas só passaram a levar para a escola quando os demais colegas começaram a ter esses aparelhos de MP3. Lá, se destaca quem tirar notas mais altas, e não quem tem mais para ostentar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário